Maioria dos brasileiros acima de 50 não poupa para necessidades futuras
Aos 64 anos, a aposentada Adelaide Silva Simões está de bem com a vida. E, como faz questão de frisar, sentido-se poderosa. Ela acabou de realizar um sonho: conhecer a França. Melhor, sem pedir nada a ninguém. Os 30 dias de viagem foram bancados por ela – sem restrições. Tudo foi possível porque, há 10 anos, seguiu os conselho de uma das filhas e começou a poupar. Juntou o que pode para fazer o passeio e, sobretudo, para os próximos anos de vida. “Economizar parte dos meus rendimentos só me deu prazer. Não apenas porque aprendi o real valor do dinheiro, mas porque me deu um sentimento de poder que nunca havia sentido antes”, afirma.
Adelaide, porém, faz parte de uma pequena parcela de brasileiros com mais de 50 anos que pode usufruir dos prazeres da vida sem depender da ajuda de ninguém, como mostra a última reportagem da série A arte de poupar. Levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que seis em cada 10 idosos não têm nenhum tipo de poupança. Passaram todo o período produtivo da vida sem guardar um centavo para garantir um futuro melhor. A situação piora entre os idosos das classe C e D. Oito em cada 10 deles estão desprovidos de reservas para bancar imprevistos ou evitar que tenham de recorrer a parentes para complementar o orçamento do mês.
“Poupar é o melhor investimento que se pode fazer na vida”, diz Adelaide. Mas foi preciso muitos tombos para que ela aprendesse a lição. Com três filhas, dois netos e mais um a caminho, só percebeu que a gastança desenfreada estava lhe fazendo mal quando a mãe morreu. Viu-se desprotegida, inclusive financeiramente. O sofrimento lhe obrigou a mudar. E a maior inspiração veio da filha mais velha, que, mesmo ganhando pouco, havia colecionado muitas vitórias. “Ela sempre poupou. Conseguiu pagar os estudos, comprar apartamento e carro e viajar para o exterior antes dos 30 anos. Fez tudo isso só guardando o dinheiro que ganhava, e que não era muito”, relata.
É aos 50 anos, que aquela poupança feita quando jovem pode fazer diferença na qualidade de vida. Quem soube controlar as finanças, segundo especialistas, não terá muitas dificuldades pela frente e vai poder desfrutar da tão sonhada aposentadoria. No entanto, aqueles que desprezaram a poupança ou outros investimentos terão que conviver com a baixa aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou continuar trabalhando. “Os 50 anos são o teto para se poupar. Depois disso, fica difícil . É nessa fase que há duas classes econômicas: os aposentados pelo INSS, que vivem uma situação complicada e correspondem a uma alta percentagem de endividamento; e outros que desfrutam do merecido descanso. Não há meio termo”, avisa o professor de ciências econômicas da Newton Paiva, Leonardo Bastos.
Na prática
Aos 87 anos, Helena Lopes pertence à segunda classe econômica citada por Leornado. Desde nova, ela diz organizar toda sua vida e se sente, hoje, uma pessoa privilegiada. Tem uma poupança que começou ainda jovem e, ainda, tem outras aplicações. “Em 1943, comecei a trabalhar em uma escola em Diamantina, sempre gastei dentro do meu limite. Ganhava pouco naquela época e sempre tive preocupação em guardar uma parte do que ganhava, mesmo sendo pouco. Assim, tirava 30% do meu salário”, conta. Por causa dessa postura, ela diz ter conquistado o que quis. “Nunca deixei de fazer nada. Sempre fiz passeios, tomei minha cerveja e, aos 87 anos, digo que sou uma pessoa tranquila em termos financeiros”, afirma.
Com imóvel na capital, Helena conta que tem a sua previdência privada, é aposentada e se dependesse da aposentadoria do INSS não teria a tranquilidade que tem hoje. “Há um hábito que tenho desde nova: anoto todas as minhas despesas em um caderno. Como dirijo, se preciso colocar um pouco de gasolina no carro, anoto. O que gastei com presentes, festas. Ou os meus custos com comida a vida inteira estão registrados. Está tudo ali”, revela. Todos os anos, Helena vai a Portugal visitar familiares e diz que a boa vida se deve ao planejamento que sempre teve.
Na avaliação de Fábio Gallo, professor de finanças pessoais da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), qualquer ação no sentido de estimular a poupança é bem-vinda. Ele alerta que a Previdência Social não tem mais como garantir uma velhice tranquila aos trabalhadores. “A situação se agravará ano após ano. A partir de 2030, ou seja, daqui a 15 anos, o Brasil terá tantos idosos que os hospitais deixarão de tratar diarréia para cuidar de Alzheimer”, diz.
Correio Braziliense