Lei não eleva hora extra, dizem empresas
Companhias com trabalho remoto afirmam que carga horária fora do escritório é contabilizada por funcionários. Processos judiciais sobre jornada extra seguirão avaliados caso a caso, diz especialista em direito do trabalho.
Empresas que adotam trabalho remoto no Brasil acreditam que a alteração da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em relação ao uso de e-mail e celular fora do escritório terá pouco efeito no pagamento de horas extras.
Lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff acrescenta à CLT que “meios telemáticos e informatizados” – como internet e celular – equiparam-se aos meios pessoais e diretos de comando e supervisão do trabalho.
Em muitas das companhias com políticas de trabalho à distância, são os próprios funcionários que declaram a carga horária cumprida e se existiu a jornada extra -paga pelas empresas. A prática é comum nas corporações de tecnologia, setor em que o trabalho à distância é mais difundido no país. A HP tem 10 mil funcionários no Brasil, sendo cerca de 7.000 com possibilidade de trabalhar fora do escritório.
Para Antônio Salvador, vice-presidente de recursos humanos da empresa, a lei não deve ter efeito direto sobre a remuneração justamente porque são os funcionários que informam a carga horária. Mas o executivo se preocupa com a indefinição sobre aspectos como o sobreaviso. “Uma coisa é o empregado ficar à disposição esperando uma ligação ou atendendo um cliente, mas, se todos os que têm celular corporativo forem considerados de sobreaviso, haverá problemas.”
Guilherme Portugal, gerente da área de talentos da Accenture -que possui 9.000 funcionários no Brasil, sendo 50% com possibilidade de trabalhar à distância-, afirma que há tecnologias que permitem programar e-mails para horários variados. “Precisamos ver como será a interpretação da lei sobre isso, que não é propriamente hora extra.”
Caso a Caso
O advogado Otavio Pinto e Silva, responsável pelo setor trabalhista do escritório Siqueira Castro e coordenador da pós-graduação em direito trabalhista da USP, diz que as discussões judiciais de horas extras, mesmo relativas a trabalho por e-mail ou celular, vão continuar sendo avaliadas “caso a caso”. “A nova lei alterou o artigo 6º da CLT quanto à relação de subordinação do empregado ao patrão, equiparando os meios tecnológicos de controle aos demais”, afirma.
“Mas não há nada que diga que um e-mail ou telefonema trocado entre funcionário e empregador fora do ambiente de trabalho seja necessariamente hora extra.”
Assim, em caso de processo judicial, o funcionário vai continuar precisando -como já acontece hoje- comprovar que trabalhou todas as horas regulares e as extras, com a ajuda de prova testemunhal. O advogado diz ainda que a mudança procurou atualizar a CLT, de 1943, em razão dos novos meios de comunicação utilizados no trabalho. Mas ressalta que há aspectos “muito mais relevantes” a serem modernizados. “Seria preciso, por exemplo, discutir a reforma sindical. Hoje, a lei prevê a organização de sindicato único por categoria, o que inviabiliza a premissa de liberdade sindical da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Regra ignora detalhes de jornada flexível
Fica difícil estabelecer o que é hora extra quando se oferece jornada de trabalho flexível, dizem empresas que têm essa política. Como as companhias permitem que seus funcionários adaptem sua rotina de trabalho às necessidades do dia, é complicado delimitar o que foi o expediente regular e qual foi a jornada extra. Na Accenture e na HP, é comum equipes brasileiras ajustarem seus horários para conversar com clientes ou colegas em países da Europa ou da Ásia, com grandes diferenças de fuso horário, de acordo com os gestores.
Para Luis Mario Luchetta, presidente da Assespro (associação das empresas brasileiras de tecnologia), a “interpretação radical” do que é horário de trabalho pode provocar aumento das ações trabalhistas infundadas. Já na avaliação de Lilian Graziano, professora da Trevisan Escola de Negócios, a inclusão do uso das tecnologias na legislação é necessária para conter abusos do horário dos funcionários, mas não deverá resolver a questão de eventuais excessos na jornada de trabalho.
Barreira adicional
O advogado Otavio Pinto e Silva, do escritório Siqueira Castro, diz que a mudança na CLT pode até criar dificuldade ao funcionário que pretende comprovar que fez horas extras e não foi pago. “O juiz pode entender que sejam necessárias mais provas, como e-mails e registros de chamadas no celular, além de testemunhos”, afirma.
Por outro lado, companhias que mantêm hoje uma relação trabalhista precária com seus empregados -sem contrato, por exemplo- poderão se sentir compelidas a melhorar e profissionalizar isso. E, para as que oferecem contrato formal, diz Silva, já existe o risco de serem acionadas judicialmente a pagar hora extra por requisitar o funcionário por e-mail ou telefone. “Não deve aumentar com a lei.”
* Folha de S. Paulo