Imposto seletivo poderia fortalecer mercado ilegal, dizem especialistas
Com a reforma tributária, produtos considerados prejudiciais à saúde podem ser desincentivados por meio da criação de um “imposto do pecado”. Especialistas e associações alertam para aumento da ilegalidade
O Brasil atualmente tributa mais o consumo do que a renda. Com o projeto de reforma tributária apresentada pelo governo e modificado diversas vezes pelo relator Celso Sabino (PSDB-MA), as alíquotas do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas serão diminuídas, o que significa dizer que o país continuará na contramão de grandes potências econômicas, como os Estados Unidos, e continuará focando a tributação no consumo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o cigarro e o charuto, por exemplo, têm uma carga tributária total de 80% e 62%, respectivamente. Mas há produtos que superam essas alíquotas, como é o caso de bebidas destiladas como a vodca e a cachaça, sobre as quais incidem taxas que somam 82%. O chope tem taxação de 62%, o uísque de 61% e o espumante, de 60%. A cerveja chega a ter mais de 42% de tributação.
O Ministério da Economia já confirmou que pretende manter elevada a carga tributária desses produtos na reforma. Mas o ministro Paulo Guedes já falou, em diversas ocasiões, sobre a criação de um imposto seletivo, chamado popularmente de “imposto do pecado”, que oneraria ainda mais os produtos prejudiciais à saúde, incluindo não só bebidas alcoólicas e cigarros, mas também outros produtos, como aqueles com alto nível de açúcar. A criação desse imposto estava prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e na PEC 110/2019, relatada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
Com o faseamento da proposta, o governo ainda não entregou a parte do texto que trata do imposto seletivo, mas ela será discutida no Senado, onde deve substituir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os setores afetados por essa maior carga discordam do modelo e argumentam que, com uma maior taxação, o mercado ilegal pode crescer. Segundo dados do Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), a informalidade no setor é superior a 89%.
Isso, aliado à complexidade tributária, contribui para o crescimento do mercado ilegal e resulta em menor arrecadação de impostos pelo governo. “Quando a gente olha a ilegalidade, todo mundo perde. O governo perde porque deixa de arrecadar. Essas empresas ilegais não pagam tributos. Existe a curva de Laffer que mede a tributação versus arrecadação. Quando a gente olha para a cachaça, a gente já passou do ponto na tributação. Hoje há uma perda de arrecadação”, pontua.
Além disso, há o risco que envolve a qualidade do produto. “Esses produtos sem registro não têm controle de qualidade. É um verdadeiro risco para o consumidor, que pode estar ingerindo substâncias nocivas. Por outro lado tem a competição desleal porque o produtor que faz tudo certo paga impostos e do outro lado há o produtor ilegal que não paga”, afirma Lima.
Paulo Petroni, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) acredita que uma carga maior sobre determinados produtos incentiva a sonegação e outras práticas ilegais como a falsificação. “Temos o caso clássico da lei seca nos EUA. Explodiu toda a falsificação e a criminalidade ligada a isso. A gente não vê porquê discriminar determinados produtos com esse revés de ter toda uma migração para um mercado ilegal”, pontua.
Ineficaz
As tentativas do governo de desincentivar o consumo de bebidas e cigarros ao longo das últimas décadas têm sido mal sucedidas. É o que explica Hilário Borges, advogado tributarista do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados. “Por mais que o preço aumente, a demanda por esses produtos é inelástica. Então há uma certa distorção”, pontua.
“Há bons argumentos dos dois lados: um fala que a política não funciona e tem o lado que acha que fala que os produtos resultam em maior uso da saúde, mais custos para a União. Mas são cargas elevadas que já geram dificuldades para competir com mercado ilegal, que é forte no Brasil”, afirma.
“O imposto seletivo revela sempre uma proposta preocupante. É certo que a intenção de desincentivar o consumo de algumas mercadorias está sempre presente nesse tipo de tributo, que também é utilizado em outros países. Nós já temos essa característica no ICMS e no IPI, que por vezes deixa de ser observada pelos Estados. A preocupação está sempre na calibragem, ou seja, na alíquota. A elevação de carga tributária pode importar no aumento dos problemas relacionados à sonegação e à informalidade”, conclui.
Confira a incidência de impostos sobre os principais tipos de bebidas e cigarros:
>> Cigarros – Aparece no topo do ranking dos produtos mais tributados no país, com 83,32%. Segundo pesquisa do Ibope de 2019, cerca de 57% dos cigarros vendidos no Brasil são ilegais.
>> Vinho importado – Cerca de 69,73% do preço total da bebida são impostos. De 2018 até a primeira metade de 2020, houve um aumento de 124% em apreensões de garrafas contrabandeadas, segundo a Receita Federal.
>> Vodka e Whisky – Assim como a cachaça, são bebidas destiladas, mas com origem fora do Brasil. Sua carga tributária chega a 67,03% no país.
>> Champagne – Utilizado especialmente em comemorações, chega a ter 59,49% de tributação no seu valor final. No Brasil, as garrafas mais baratas custam entre R$ 140 e R$ 160.
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Receita Federal, Ibope, Euromonitor International.