Fortalecer a empresa da porta para dentro
Os dados apresentados na pesquisa do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo mostram que uma em cada quatro micro ou pequena indústria (26%) deixou de pagar alguma dívida em junho deste ano. Trata-se do maior índice registrado desde que a questão sobre o tema foi incluída na pesquisa, em outubro de 2013, e 9% superior a maio. A pesquisa ainda mostra que 44% das MPIs sofrem com inadimplência, 3% superior ao mês passado, o mais alto índice registrado desde quando o estudo foi lançado. Para 24% dos entrevistados, os calotes comprometeram até 15% de seu faturamento. Segundo o presidente da entidade, Joseph Couri, o pessimismo não é a causa, é o reflexo, e cita que, além da queda no mercado interno, problemas como perda do poder de compra, a inflação, a elevação do custo do dinheiro. “Se alguém está otimista é porque não está encarando a realidade, porque a nossa pesquisa é um antecipador de tendência”, adverte o dirigente.
Os dados do Simpi-SP confirmam que a economia brasileira não passa por um bom momento, e se é verdade que o cenário não ajuda os pequenos empresários, este não é o único problema que eles enfrentam. Pesquisas do Sebrae apontam, há anos, que a mortalidade das empresas brasileiras é alta. Os dados mais recentes da instituição mostram que 24 em cada cem empresas não sobrevivem nos dois primeiros anos.
“Neste momento de economia fraca, as vendas caem e a rentabilidade dos negócios também. Os empresários têm que ser prudentes, evitar riscos. Cortar custos ao máximo possível e ter cautela nas negociações, para evitar inadimplência”, recomenda Marco Aurélio Barreto, sócio da consultoria financeira IVIX Value Creation, em São Paulo.
Ele e outros especialistas analisam que o problema das empresas vai além da economia e passa pelo planejamento. “Políticas de governo e economia são problemas externos, mas os grandes problemas são da porta para dentro. O empreendedor costuma pôr a culpa da porta para fora. Se estivesse estruturado, enfrentaria as ondas externas e não se complicaria com qualquer marola”, explica Fábio Marconi, sócio da Doctor Trade, uma consultoria e assessoria de negócios para pequenas e médias empresas em crise. “As que planejam surfam essa onda e aproveitam a brecha de quem esta indo mal”, diz.
Experiente em salvar empresas em crise, Marconi diz que boa parte dos problemas se encontra na parte financeira. O principal deles é a mistura da conta pessoal com a da empresa. “O primeiro conselho que damos é que se esqueça o dono da empresa como pessoa física”, conta. Segundo o especialista, muitas empresas não têm um planejamento estratégico mínimo, e sem ele não dispõem da visão de dados fundamentais como receita, custo fixo, lucro operacional e fluxo de caixa projetado, para medir se a empresa está no caminho certo. “Noventa por cento das PMEs não sabem quanto custa a sua operação nem se ela está se pagando. Muitas empresários que assessoramos estavam quebrados e não sabiam, outros quebrariam em meses”, diz Marconi.
“O empresário nos procura quando já está endividado. Se houvesse um planejamento, o cenário seria outro”, concorda João Carlos Natal, consultor financeiro da Central de Atendimento do Sebrae-SP. “Muitas pequenas empresas não são organizadas, e pela falta de documentos não têm acesso a crédito. As garantias mais comuns solicitadas pelos bancos são documentações que as empresas não têm”, explica o consultor.
Pequena indústria
O dinheiro mais caro do mundo é o inexistente, e é isso que aponta a pesquisa do Simpi-SP. Os dados do endividamento e da inadimplência são os que mais preocupam. Isso se reflete na dificuldade que esses empresários têm em obter crédito junto às instituições financeiras. “Os bancos estão muito mais conservadores e aumentam as taxas. E os empréstimos têm ficado cada vez menores, mais caros e com a exigência cada vez maior de garantias”, analisa Barreto.
As pequenas indústrias reclamam da dificuldade para acessar linhas de crédito para pessoas jurídicas, que têm juros bem menores que os de pessoa física. Estudo do Simpi-SP de maio aponta que apenas 37% recorrem a financiamento voltado para o setor empresarial, 15% recorrem ao cheque especial e 10% acabam optando por empréstimos pessoais. Há, inclusive, casos de empresários que fazem empréstimo de empresas de factoring, com juros bem mais altos, e que buscam socorro de parentes e amigos. “Isso quer dizer que pegou dinheiro no banco, não conseguiu pagar e pediu para os amigos. É um quadro que é insustentável. Não existe atividade que consiga remunerar juros como os que há no Brasil”, explica Couri. Segundo dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a taxa média mensal para crédito voltado a capital de giro para a área empresarial fica em 1,8%, enquanto a de empréstimo pessoal nas instituições bancárias é de 3,5%, quase o dobro, e a de cheque especial, de 8,18% ao mês.
Buscando alternativas de acesso ao crédito para o setor, o Simpi assinou no ano passado um convênio com a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP), instituição financeira do governo estadual, para concessões de crédito consciente e de longo prazo para as pequenas e médias empresas paulistas. O sindicato vem buscando outras opções de financiamento junto a instituições como o Banco do Povo Paulista e o Banco do Brasil (BB).
A portabilidade
A empresária Silvia Lemos, dona da pequena empresa Papel Moeda, de Guarulhos, fez um empréstimo no BB, do qual é correntista há 19 anos, e recebeu uma proposta do Banco Itaú para transferir a dívida. Quando informou o gerente da sua conta sobre a proposta e as vantagens oferecidas pela outra instituição, ele cobriu a oferta e a empresária optou por manter seu empréstimo no banco de sempre. Assim como aconteceu com a telefonia e os planos de saúde, a Resolução nº 3.402/06 do Banco Central abriu esse caminho para os bancos, permitindo transferência de saldo de conta-salário para conta corrente, e a transferência de saldo devedor para uma instituição concorrente. A segunda opção abre a possibilidade de as empresas migrarem seus ativos financeiros para outros bancos com menor custo, prazos maiores e melhores condições contratuais.
Pela portabilidade, o empresário pode escolher um novo banco, que paga a sua dívida com o credor original, passando a ser o novo cobrador desse crédito. Antes era necessário pedir empréstimo em um banco para cobrir a dívida no outro, pagando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que não incide mais no caso da portabilidade bancária, sendo este outro dos seus benefícios. Mas o que aconteceu com a empresária citada acima não é comum nos bancos, que raramente oferecem opções de portabilidade para pessoa jurídica. As melhores condições só aparecem quando, como no caso dela, se corre o risco de perder o cliente. Consultados sobre as suas opções de portabilidade, o BB, a Caixa Econômica Federal, o Itaú e o Santander informaram que não têm esse tipo de serviço para pessoa jurídica. O Bradesco não respondeu.
Marcelo Prata, presidente e fundador do Canal de Crédito, site de comparação de produtos financeiros, explica que a portabilidade de financiamento bancário ainda não existe de forma regulamentada para as empresas. A lei de portabilidade, que passou a vigorar em maio, ainda está restrita somente às pessoas físicas, explica.
Crédito conservador
Segundo Prata, ainda há no mercado uma carência enorme de produtos bancários de crédito para pessoa jurídica. “É uma área conservadora dos bancos, que não estão aproveitando uma oportunidade muito grande. Os bancos grandes vão onde tem menos risco de crédito, como na maquininha do cartão”, explica.
Um dos problemas para a resistência dos grandes bancos seria a dificuldade para analisar o crédito do empreendedor, que precisa ter um histórico e apresentar uma longa lista de documentos em ordem (ver quadro). Segundo Prata, esse vácuo está sendo mais bem preenchido pelos bancos médios, que estão mais preparados para atender o pequeno empresário. O problema é que quem abre uma empresa pensa que vai ter mais vantagens nos bancos conhecidos e grandes e não conhece os menores, explica Prata.
Um dos caminhos para melhorar a oferta e as vantagens para o crédito nas pequenas empresas é ensinar o empresário a organizar melhor o seu negócio, o seu histórico e a documentação que apresenta ao banco.
DCI SP