Fechamento recorde de empresas afeta a economia e a saúde mental
Luciano, 39, era dono de quatro lojas de enxoval de bebê no centro de Belo Horizonte. Hoje, tem três. Natália, 36, mulher dele, é proprietária de uma escola infantil, praticamente falida. A instabilidade financeira do casal é reflexo de uma realidade que atinge em cheio comércio e serviços. Nunca se fechou tantas empresas como no ano passado: 113 por dia, segundo dados da Junta Comercial, o maior índice de extinção da história. A pandemia abalou não apenas os negócios, mas também a saúde mental deles. É que, junto com os prejuízos, vieram os sintomas. Luciano chegou a cair na cama sem forças para vencer a depressão e Natália, grávida de 6 meses, luta contra os sinais de ansiedade, estresse, e com a insônia diária.
Ao Luciano, faltam forças para reagir. “Às vezes eu quero dormir o dia inteiro, não tenho fome, nem vontade de tomar banho. Já fiquei trancado no quarto escuro por um dia inteiro. Um dia estou um pouco melhor, no seguinte pioro”, conta o lojista, que será identificado com nome fictício a pedido dele.
“ÀS VEZES EU QUERO DORMIR O DIA INTEIRO, NÃO TENHO FOME, NEM VONTADE DE TOMAR BANHO. JÁ FIQUEI TRANCADO NO QUARTO ESCURO POR UM DIA INTEIRO. UM DIA ESTOU UM POUCO MELHOR, NO SEGUINTE PIORO”
Pesam sobre os ombros do casal a dívida, de aproximadamente R$ 400 mil, a tristeza por terem fechado uma das lojas que administravam há mais de uma década e a demissão de 11 funcionários. “No início, o que mais me aterrorizava era ter que demitir pessoas e o medo de não pagar o salário dos que ficaram. Mas depois eu fui notando que eu estava no mesmo barco que eles”, conta Luciano.
De acordo com a analista de relacionamento do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), Laurana Viana, esse medo de ter que demitir era também a maior inquietude dos empresários que buscaram orientação na instituição para enfrentar a pandemia. “Ouvimos vários relatos de patrões muito tristes ao pensarem que teriam que demitir chefes de família, que não teriam mais como colocar arroz e feijão na mesa. Pelo semblante deles, a gente já conseguia sentir o quanto a situação estava gerando tristeza. Ouvimos muitos casos de insônia e crises de ansiedade”, afirma a analista.
Para Luciano, a ficha de que a situação dele não era tão diferente da vivida pelos funcionários caiu só quando ele precisou cortar gastos de forma extrema na própria casa e se viu sem dinheiro para comprar coisas básicas para a chegada do primeiro filho.
“Por ironia do destino, eu, que tenho lojas de enxoval de bebê, tive que ganhar berço e carrinho usados porque não vendo esses produtos”, diz.
Enquanto isso, a mulher dele, que aqui será identificada como Natália, tenta não se desorientar. “A gente está vivendo um dia de cada vez”, diz. Mesmo assim, a cabeça não tem colaborado. “Sinto ansiedade, insônia, estresse. Na gravidez a gente já fica instável normalmente, mas essa situação em que estamos vivendo traz ainda mais insegurança”, afirma.
Quebradeira
Se o casal não está sozinho nas dificuldades financeiras – 41.436 empresas foram extintas no Estado em 2020, número 5,5% maior do que em 2019 -, na depressão também não estão. “Muitos empresários estão desesperados. Tem muita gente completamente endividada, perdendo o patrimônio para bancar os negócios. A pressão é muito grande. Eu duvido que tenha algum comerciante que durma 8 horas por dia”, conta o presidente da Associação de Lojistas do Hipercentro, Flávio Froes Assunção.
“EU FICAVA PENSANDO COMO EU IA CONSEGUIR MANTER MINHAS FUNCIONÁRIAS, COMO EU IA PAGAR MEUS FORNECEDORES”
Para a empresária Carla de Araújo, a pressão foi tanta que, menos de dois meses depois do início da pandemia, ela já estava tomando ansiolítico. Ela deitava na cama e não conseguia dormir. “Eu ficava pensando como eu ia conseguir manter minhas funcionárias, como eu ia pagar meus fornecedores”, conta.
Além dos sintomas mais clássicos como perda de sono e excesso de irritabilidade, ela chegou a perder a audição. “Eu tive uma surdez súbita em um ouvido. Fiz ressonância, não tinha nada. O médico disse que era um reflexo de alto nível de estresse”, conta a lojista, que ainda usa medicamentos para controlar a ansiedade.
Medo de demissão desorienta funcionários do comércio
Fecha tudo que não for essencial! Para o comércio, essa determinação de março de 2020, que tinha como objetivo barrar o avanço da Covid-19, restringiu muito mais do que a circulação de pessoas. Sem vender, a renda caiu e, quanto mais os lucros despencavam, mais as preocupações disparavam. Situação que tirou o sono de empregadores e funcionários.
A lojista Carla de Araújo conseguiu evitar a demissão das duas funcionárias. “Depois de várias noites sem dormir, eu me sentei com elas e disse que precisaria suspender o contrato de uma”, conta. Juntas, elas definiram por suspender temporariamente o contrato de Evanilza Ferreira, 30, já que ela morava com pais idosos e tinha um filho pequeno, sem escolinha aberta”, lembra Carla.
Em casa, Evanilda teve que lidar com a angústia. “Eu morria de medo de ser mandada embora. Tive muita insônia e fiquei cheia de insegurança com as notícias do abre e fecha do comércio”, conta. Ela já voltou a trabalhar presencialmente, mas ainda tem medo. “Sinto muita insegurança”, diz.
Fonte: O Tempo