Fazenda deve apostar em RE para rediscutir ICMS na base da Cofins
Antes defendendo a prioridade de ações de controle concentrado sobre recursos de controle difuso, a Advocacia-Geral da União agora muda de lado e deve pedir que o Supremo Tribunal Federal priorize um Recurso Extraordinário a uma Ação Declaratória de Constitucionalidade. O impasse envolve duas ações sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins, ajuizadas pelo Fisco em 2007 — uma ADC e um RE. A primeira veio como tábua de salvação depois que os contribuintes já contavam com seis votos favoráveis em outro recurso. A corte parou de julgar o recurso devido à questão sobre a prioridade da ADC. Mas agora que o Supremo terminou de julgar esse RE e se prepara para novo dilema — entre a ADC e um Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida —, o Fisco indica preferir o RE para poder contar com o voto do ministro Dias Toffoli, impedido de julgar a ADC por ter sido seu autor, quando ainda era advogado-geral da União.
A mudança se dá depois da decisão do Supremo Tribunal Federal de que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo da Cofins. A decisão foi tomada na última quarta-feira (8/10) por sete votos a dois. Os ministros optaram por continuar um julgamento iniciado em 1999, antes da criação da repercussão geral como critério de admissibilidade de recursos ao STF. Com isso, os contribuintes ganharam, mas apenas no caso concreto. Isso porque, apesar de ter havido fixação do precedente, a falta de repercussão geral impede que o Supremo barre novos casos.
Assim, ganham espaço outros processos que já chegaram à corte — e que podem contar com os votos dos novos ministros, que substituíram aqueles que votaram no recurso de 1999. A Fazenda vai apostar no reinício da discussão a partir de Recurso Extraordinário ajuizado em 2007, que já teve repercussão geral reconhecida. O processo trata do mesmo tema, mas a decisão tomada nele vai orientar o julgamento da matéria pelas demais instâncias.
Além do RE de 2007, com repercussão reconhecida, há uma Ação Declaratória de Constitucionalidade ajuizada pela Advocacia-Geral da União no mesmo ano. A ADC 18 foi pivô de polêmica no Supremo quanto à prioridade de julgamento. O ajuizamento adiou a solução da disputa avaliada em R$ 250 bilhões pelo Fisco, porque os ministros ficaram no impasse entre continuar o julgamento que já tinha começado ou recomeçar outro, que colocaria ponto final à questão com efeitos erga omnes — que vale para todos —, por se tratar de uma ação de controle concentrado. No fim, optou-se por terminar de julgar o primeiro caso.
Dos males o menor
Depois do julgamento, o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, deixou claro que “o processo foi julgado, mas o tema não acabou”. Ele lembrou que, da composição atual, cinco ministros do STF ainda não votaram: Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux — além da cadeira deixada vazia com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa.
No julgamento da última quarta-feira, a AGU pediu para que os ministros desistissem do RE de 1999, alegando que ações de controle abstrato de constitucionalidade, como é o caso da ADC, têm preferência sobre ações de controle objetivo ou concreto, como é o caso dos REs. E mesmo que decidisse pelo controle objetivo, o recurso mais recente teve a repercussão geral reconhecida e, portanto, teria preferência.
O Supremo não concordou com essa tese e decidiu não desprezar os votos já proferidos no primeiro RE. Com a decisão, o Plenário criou um precedente a favor do contribuinte. Mas foi uma derrota comemorada pela Fazenda Nacional. Segundo as contas da Receita Federal, caso a União seja derrotada em um dos outros dois casos, pode ter de arcar com um prejuízo de R$ 250 bilhões.
Com isso, o STF vai ter de começar de novo a discussão, mas precisa decidir se por meio do outro RE ou da ADC. A procuradora-geral da Fazenda Nacional, Adriana Queiroz, disse ser cedo para definir uma estratégia. Mas lembrou de fala do ministro Celso de Mello sobre o impedimento de Dias Toffoli no caso. Isso porque Toffoli era o advogado-geral da União na época em que a ADC foi ajuizada e é dele a assinatura na incial da ação. Também é dele a tese sobre a preferência das ações de controle abstrato.
Adams concorda. Ele não confirmou se pretende apostar suas fichas no Recurso Extraordinário com repercussão geral, mas disse que “quanto maior a composição, melhor”. A princípio, como não assinou o RE ajuizado em 2007, Toffoli estaria impedido apenas na ADC. Adams lembrou ainda que há “ministros importantes” que ainda não votaram — por terem substituído ministros que já haviam votado no RE de 1999.
Reinterpretação
Durante a discussão sobre a preferência da ADC sobre os recursos, uma fala do ministro Luiz Fux quase passou despercebida. Ele não votou no caso — por ter entrado na vaga do ministro Eros Grau, que já tinha votado —, por isso fez só um pronunciamento. Disse que nada impedia que o Plenário julgasse o RE que não tinha repercussão geral reconhecida, para só depois julgar outro. Segundo ele, a reinterpretação de uma matéria não implica violação ao ato jurídico perfeito e nem à letra da lei.
Para alguns, Fux sinalizou que pretende votar a favor do Fisco. Argumento forte ao lado dessa tese é o fato de Fux já tê-lo feito quando era ministro do Superior Tribunal de Justiça. Quem apoia a tese fazendária quase comemorou quando o ouviu falar sobre reinterpretação.
Outro que já votou na matéria, mas não no Supremo, foi o ministro Teori Zavascki. Ele é um dos mais respeitados especialistas em matéria tributária no país, embora seja conhecido pelo viés fiscalista na oposição entre o privado e o público. Foi ministro do STJ por dez anos, e foi dele um dos principais votos a favor da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins.
Mutação constitucional
A fala do ministro Fux também pode se refletir em outro caso, um Recurso Extraordinário, também de matéria tributária, mas com repercussão geral reconhecida. Trata da possibilidade de ajuizamento de ação rescisória contra decisão que se baseou em jurisprudência do Supremo, depois revista.
Em termos técnicos, é a ação rescisória com base em mutação constitucional. O Supremo deve decidir sobre a permanência da Súmula 343, que proíbe o ajuizamento de ação rescisória contra decisão que se baseia em jurisprudência ainda não pacificada. O STF costuma entender, seguindo tese do ministro Gilmar Mendes, que ela não se aplica a matéria constitucional — já que, em última análise, é o Supremo quem dá a última palavra em controle de constitucionalidade e, portanto, a decisão do STF seria a “melhor decisão”.
A importância do caso se dá porque o tribunal nunca se debruçou sobre a tese quando se trata de mutação constitucional. O caso concreto que levou a discussão à corte discute a possibilidade de o contribuinte se creditar de IPI quando usa insumos isentos desse imposto. Em 2002, o Supremo entendeu que o creditamento é possível. Em 2007, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, adequado à jurisprudência do STF, permitiu que uma empresa se creditasse do IPI.
Mas dois anos depois, em 2009, seguindo o entendimento do ministro Marco Aurélio, o Supremo reinterpretou a matéria em outro recurso e entendeu que não era possível se creditar de IPI no caso do uso de insumos isentos. O que a Fazenda pretende, portanto, é que seja cabível uma ação rescisória contra a decisão do TRF-4, que se baseou em jurisprudência posteriormente superada pelo Supremo.
O caso está pautado para a próxima reunião do Plenário, na quarta-feira (15/10). O relator, ministro Marco Aurélio, votou a favor do contribuinte — e, indiretamente, contra o aproveitamento de sua própria posição a respeito do creditamento —, entendendo que aceitar a tese da rescisória atentaria contra a segurança jurídica. O ministro Dias Toffoli concordou com a conclusão do relator, mas afirmou que o recurso era intempestivo e votou pelo não conhecimento. O que está na pauta da próxima quarta é um voto-vista da ministra Cármen Lúcia.
Conjur