Falta de flexibilidade emperra os avanços no cenário de trabalho
Para manter talentos no quadro de pessoal, empresas de segmentos modernos da economia, principalmente do setor de prestação de serviços, flexibilizam as condições de trabalho, tentando inovar sem descumprir a legislação trabalhista, com um olho nas normas e outro no funcionário. Permitir que o empregado trabalhe em casa, no sistema do chamado home office, e flexibilizar a jornada para que ele possa intercalar exercícios físicos e as tarefas do dia são dois dos exemplos das iniciativas de negociação. As novas medidas, no entanto, estão longe de satisfazer os patrões, que defendem o empenho dos políticos e do governo numa revisão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A startup MLearn, especializada no desenvolvimento de aplicativos de educação para o celular, disputa bons profissionais para a equipe, hoje, de 10 empregados. O sócio-proprietário da empresa, Ricardo Drummond, decidiu implementar novidades, mas mantendo como livro de cabeceira a legislação trabalhista. “Permito que meus funcionários façam home office e também temos flexibilidade de horário. Eles podem, por exemplo, interromper o expediente para malhar ou correr e voltar para finalizar o trabalho”, conta.
Apesar das inovações, ele reclama da rigidez da lei. “Há mudanças que não podemos fazer. Por exemplo, programadores adoram trabalhar à noite, só que isso não é possível devido ao adicional noturno”, observa. Outra inovação que Ricardo Drummond gostaria de implementar na empresa, mas diz não poder, é deixar o funcionário escolher em quais dias deseja trabalhar ou folgar. “Isso ainda não posso fazer, porque pela lei o descanso deve ser no fim de semana.”
Como mecanismo de compensação, a empresa implementou uma política de cargos e salários que tem funcionado bem, segundo o sócio da MLearn. De acordo com o desempenho, os funcionários podem ser beneficiados com até três reajustes salariais por ano. Ricardo observa que um ponto que o preocupa é que grande parte do ganho do empregado, direcionado ao pagamento de tributos e benefícios previdenciários, muitas vezes não é percebido pelo trabalhador.
Wilson Caldeira, vice-presidente das associações das empresas de tecnologia da informação de Minas Gerais Assespro e Fumsoft, diz que a natureza do negócio de muitos empreendimentos de tecnologia leva a projetos temporários e esse é um dificultador no setor. Para tentar evitar essas dificuldades ante as regras trabalhistas, funcionários tornam-se, também, sócios das empresas, ou realizam parcerias para projetos temporários. “Há momentos em que a empresa precisa do trabalho de um superespecialista durante poucas horas. Seria muito bom se esse contrato por hora pudesse existir”, defende.
Segundo Caldeira, o modelo da pessoa jurídica não é muito utilizado pelo setor, porque impede em sua fundamentação que o prestador de serviço receba orientações ou tarefas. “De certa forma isso inviabiliza o trabalho”, argumenta. A professora de direito empresarial da FGV/ Faculdade IBS, Selma Regina Rossini, explica que a pessoa jurídica não pode sofrer cobrança de metas, não deve ter salário fixo e deve trabalhar no âmbito externo. Não há, também, a possibilidade de ser advertida ou cobrada.
Prevenir é o melhor Na opinião da Selma Rossini, as empresas devem investir pesado em consultorias preventivas para se adequar à legislação, evitando, ao máximo, os processos. “Às vezes falta orientação às empresas e muitas causas poderiam ser evitadas. A demanda por hora extras por exemplo, pode ser amenizada com a contratação de um trabalhador com carga horária menor.”
A opção do trabalho em casa é um dos pontos classificados como amarras da lei brasileira por Suzana Fagundes, diretora jurídica e de relações institucionais da Arcelor Mittal Brasil, braço do maior grupo siderúrgico do mundo. “Em muitos países onde atuamos o controle de jornada no caso da opção de home office não é necessário com o rigor que se tem no Brasil. Aqui é preciso registrar o ponto efetivo mesmo quando se trata do trabalho de um consultor interno da companhia. Se houver, eventualmente, mais de duas horas extras temos de comunicar as autoridades”, afirma.
Propostas de alteração das leis trabalhistas não são bem avaliadas pelo Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Segundo o presidente da instituição, José Clóvis Rodrigues, a possibilidade de contratar trabalhadores por hora, por exemplo, não resolveria as demandas e nem aliviaria o judiciário. “Não seria vantajoso para o trabalhador, só traria um alívio em pontos muito específicos.”
Para direcionar a evolução
A progressão dos custos do trabalho, que incluem as causas trabalhistas, e os efeitos das várias interpretações e mudanças pontuais de entendimento dos próprios juízes do trabalho, levaram a Confederação Nacional da Indústria (CNI) a elaborar um detalhado documento que sugere mudanças urgentes à presidente Dilma Rousseff. Com base num estudo das estatísticas de 34 países feito pelo Bureau of Labor Statistics (BLS), departamento do trabalho dos Estados Unidos, as despesas com mão de obra subiram de US$ 7,11 por hora em 1996 para US$ 11,20/hora em 2012, um aumento de 58%.
O Brasil também perde em relação a seus pares no mundo. O custo total do trabalho no país em 2002 representava 55,1% da conta no México, por exemplo, e em 2012 passou a alcançar 176,1%. A CNI destaca que do ponto de vista dos gastos previdenciários e custos tributários associados aos salários, há também clara desvantagem brasileira. Em 2012, eles respondiam por 32,78% dos salários em terras tupiniquins, maior cota entre cinco nações e a Zona do Euro (veja o quadro). Para a indústria, é exagerada a proporção dos salários e encargos sobre a receita líquida de vendas, apurada mediante dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desembolso responde por 14,3% da receita líquida de vendas na média do Brasil e por 12,3% em Minas.
Na avaliação de Fernando Júnior, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), as causas trabalhistas no Brasil atingiram um patamar que fugiu ao controle e no setor de serviços, explica, existem duas demandas principais: a gorjeta e o contrato por hora. “A CLT é antiga, completou 70 anos e foi feita para atender o trabalhador da indústria. Não consegue atender o setor de serviços”, diz. Um grande problema na lei brasileira está na mudança frenquente de entendimentos consolidados pela Justiça nas súmulas, observa Osmani Teixeira de Abreu, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).
No setor de serviços, a gorjeta é uma liberalidade do cliente, mas segundo a lei deve ser incluída no salário do garçom. A possibilidade de contratar trabalhadores por hora, para reforçar equipes em dias de maior movimento não vale pela legislação brasileira. O tema é polêmico até mesmo entre especialistas. Para professora Selma Rossini, a flexibilização da CLT com propostas incluindo, por exemplo, a contratação por hora, iria alterar pouco o panorama. Ela entende que as condenações, hoje, do TST em muitos casos levam em conta princípios da Constituição em um processo de humanização da Justiça. Ela considera que falta às corporações consultorias preventivas para adequar seus processos à legislação. Já Fernando Junior sustenta que alguns pontos da legislação inviabilizam o negócio. (MC e MV)
Estado de Minas