Estados propõem reduzir ICMS sem unificá-lo
Nas discussões em curso sobre a reforma tributária, os governos estaduais já deixaram claro que preferem, em um primeiro momento, manter as duas alíquotas interestaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), embora com redução de ambas em relação às atuais, a unificá-las em 2%, conforme sugestão do Ministério da Fazenda
Hoje, existem duas alíquotas do ICMS nas operações interestaduais: uma geral de 12% e outra de 7% nas operações da região Sul e de São Paulo, Rio e Minas Gerais com os demais Estados da federação. O Ministério da Fazenda propôs que as alíquotas interestaduais sejam unificadas em 2% em um prazo de cinco anos. Se essa proposta for aprovada, a apropriação da receita do ICMS passará a ser feita, majoritariamente, pelo Estado de destino da mercadoria. Atualmente, é na origem.
A proposta em discussão, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), adia essa mudança para o destino, pois prevê uma redução da alíquota de 12% para 7% e da alíquota de 7% para 4% ou 3,5%. O secretário de Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, considera que essa é uma boa alternativa: “Acho que é importante manter uma certa proporção [das alíquotas interestaduais], migrando ao longo do tempo para uma alíquota única.”
O secretário de Fazenda da Bahia e coordenador do Confaz, Carlos Martins, tem a mesma opinião. “Acho importante manter a assimetria até para preparar a alíquota única no futuro”, disse. O coordenador do Confaz observou que a adoção de uma alíquota única neste momento – o que significaria a mudança da origem para o destino – está relacionada com uma difícil discussão em torno das compensações que serão dadas pela União aos Estados que perderão com a reforma.
O governo federal propõe a criação de um fundo de equalização de receitas e de um fundo de desenvolvimento regional, ambos em caráter temporário. “A alíquota única depende do volume de recursos que a União está disposta a colocar”, afirmou Martins.
Se a proposta de unificação das alíquotas interestaduais do ICMS em 2% for aprovada, oito Estados perderão um total de R$ 15,6 bilhões, de acordo com uma simulação feita pelo Ministério da Fazenda e encaminhada aos secretários estaduais de Fazenda, à qual o Valor teve acesso. O maior prejudicado seria o Amazonas, com perda anual de R$ 5,8 bilhões. O maior beneficiado seria o Rio de Janeiro, que aumentaria sua receita anual com o ICMS em R$ 5,56 bilhões.
As estimativas da Fazenda foram feitas com base em notas fiscais eletrônicas de 2010. Em geral, a mudança de origem para destino beneficiaria Estados que são importadores líquidos de mercadorias e serviços – compram mais do que vendem a outros Estados – e prejudicaria exportadores líquidos. O Amazonas, por exemplo, tem mercado interno restrito e grande parte de suas operações são interestaduais.
Embora seja exportador líquido, o Rio de Janeiro seria beneficiado pois o petróleo e seus derivados, que são os seus principais produtos de exportação, já têm alíquota interestadual do ICMS igual a zero. Além disso, o que o Rio compra do Norte, Nordeste e Centro-Oeste teria alíquota reduzida de 12% para 2% e a alíquota do que vende cairia de 7% para 2%, ou seja, aquilo que é vendido pelo Rio teria perda menor do que o que é comprado. Assim, avaliam técnicos do governo, a eventual perda de receita do Rio com a mudança no rateio dos royalties do petróleo, decorrente do projeto aprovado pelo Senado e em discussão na Câmara, poderia ser compensada com a reforma tributária.
A perda anual de São Paulo, que é o maior exportador líquido do país, seria de apenas R$ 1,05 bilhão, segundo a estimativa do Ministério da Fazenda. O secretário Calabi discorda da simulação. “Nos nossos cálculos, a perda seria de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões se a alíquota única ficar em 2% e de R$ 3,5 bilhões se ela ficar em 4%”, disse. “Mas nossas equipes técnicas estão conversando”.
A Bahia, que também é exportadora líquida, teria uma perda de R$ 779 milhões. O secretário Martins disse que o estudo do governo ainda é preliminar e que a metodologia e a base científica utilizada ainda não dão sustentação aos resultados obtidos. Ele admitiu, no entanto, que a Bahia perderá em qualquer cenário, restando apenas definir com exatidão o valor. Mesmo assim, garantiu, o governo estadual é favorável à reforma. Martins informou também que foi criado um grupo no Confaz para fazer as simulações. Em sua próxima reunião, o assunto será novamente discutido com o governo.
Em seus cálculos, o Ministério da Fazenda levou em conta também as perdas de receitas que alguns Estados terão com o fim dos incentivos fiscais concedidos aos produtos importados que ingressam por seus portos – a chamada “guerra dos portos”. As perdas do Espírito Santos e de Santa Catarina, que utilizam essa prática, será, respectivamente, de R$ 2,6 bilhões e de R$ 1,3 bilhão. “Não teremos como suportar essas perdas sem que haja compensações por parte da União”, disse o secretário catarinense da Fazenda, Nelson Serpa. Ele defende que outros assuntos sejam incluídos nas discussões, como a redução dos encargos financeiros das dívidas estaduais renegociadas pela Tesouro.
O Estado de Sergipe, que é importador líquido, ganhará R$ 266 milhões, de acordo com a simulação. Mas o secretário sergipano de Fazenda, João Andrade Vieira da Silva, manifestou preocupação. “Há um ganho por um lado, mas poderá ocorrer uma perda importante para os Estados que são importadores líquidos se não tiver um incentivo ao desenvolvimento regional”, afirmou. A preocupação com a operacionalização desse fundo de desenvolvimento regional é um dos motivos que está levando governos estaduais a preferirem a alternativa de manter duas alíquotas interestaduais do ICMS.

Bancadas vão ao STF contra repartição
As bancadas federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo decidiram, ontem, entrar com um mandado de segurança preventivo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proposta que redistribui os royalties do petróleo no país. A ideia é barrar na Câmara a tramitação do projeto aprovado em outubro no Senado e que transfere recursos dos chamados Estados produtores (basicamente Rio e Espírito Santo) aos não produtores. Por meio dele, esses Estados terão seu percentual nos royalties reduzido de 26,25% para 20% a partir de 2012. Já os municípios produtores verão esse índice diminuir de 26,25% para 17%. A fatia da União também seria reduzida de 30% para 20%.
O mandado de segurança tentará derrubar essa fórmula. Será redigido pelo ex-procurador do Estado Humberto Soares com base em dois argumentos. O primeiro, considerado principal, é de que o projeto dos senadores viola o artigo 60 da Constituição Federal, que estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”.
Também será questionada a forma de distribuição adotada pelo relator do substitutivo aprovado no Senado, Vital do Rego Filho (PMDB-PB). Ele utilizou critérios de rateio semelhantes aos previstos no Fundo de Participação dos Estados (FPE), já considerado inconstitucional pelo STF e que agora se verá instado a se manifestar novamente sobre o assunto.
A reunião das bancadas foi capitaneada pelo deputado federal e ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) e representou uma derrota política do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Isso porque ele tem um entendimento diferente do de Garotinho: o de que um mandado de segurança agora pode inviabilizar a apresentação de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no STF após a aprovação do texto no Congresso e consequente sanção presidencial.
Tanto que a reunião de ontem ocorreu a contragosto dos parlamentares aliados de Cabral, que não participaram dela. Alguns deles se recusaram a assinar a decisão. “Não tem que precipitar esse debate. É inoportuno recorrer à Justiça agora”, disse o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), considerado o mais próximo do governador em toda a bancada fluminense. Os pemedebistas avaliam que um cenário de radicalização e debate nas vias judiciais agora impedirá os parlamentares dos Estados produtores de terem margem de manobra para negociar com os dos Estados não produtores.
Entretanto, Garotinho conseguiu a maioria dos votos na reunião e depois seguiu ao plenário para ampliar esse apoio. Até as 19h, ele já tinha 38 assinaturas das 62 possíveis – soma de todos os deputados e senadores dos dois Estados. Ele contesta a visão de Cabral e Cunha. “Uma coisa não inviabiliza a outra. Se temos duas possibilidades [mandado de segurança e Adin] temos de usar as duas”, disse. De acordo com ele, a ação será protocolada na próxima semana.
Prejuízo do Rio com isenção sobre combustíveis é maior que perda de royalties
Maior produtor de petróleo do país, o Estado do Rio de Janeiro não arrecada ICMS sobre a venda de combustíveis. A ausência dessa receita é coberta pelos royalties que agora estão em xeque no Congresso. A Secretaria da Fazenda do Rio calcula que deixarão de ser arrecadados R$ 68,7 bilhões em ICMS sobre a venda de combustíveis de 2012 a 2020. O valor é significativamente superior às perdas estimadas com a redistribuição dos royalties e participações especiais no mesmo período: R$ 23,8 bilhões para o Estado fluminense e R$ 25 bilhões para os 86 municípios produtores de petróleo. O levantamento levou em conta a venda do produto com câmbio a R$ 1,73 e cotação do barril de petróleo tipo Brent a US$ 114.
Com a Emenda Constitucional nº 33, de 2011, a venda de lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo passou a ter um regime de tributação especial, em que o ICMS só é devido nos Estados de consumo da mercadoria. Dessa maneira, a alíquota do imposto passou a ser zero para os Estados produtores.
Para advogados, a proposta de partilhar entre todos os Estados as receitas da exploração do petróleo, inclusive dos campos já licitados, viola a Constituição Federal por não prever outras formas de compensação financeira aos Estados produtores arcarem com investimentos de proteção ambiental, por exemplo. O projeto de relatoria do senador Vital do Rego (PMDB-PB) foi aprovado, em outubro, no Senado e tramita agora na Câmara dos Deputados, onde deve ser analisado no ano que vem.
Para o especialista em ICMS, Julio de Oliveira, do escritório Machado Associados, a criação de uma exceção à regra na tributação do imposto e a redistribuição dos royalties geram grandes perdas de arrecadação a Estados produtores. “São alterações significativas que poderiam ser consideradas como quebra do pacto federativo”, diz.
De acordo com o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, a perda de arrecadação gera dificuldades aos Estados cumprirem obrigações, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o pagamento de dívidas. “A nova sistemática proposta fere frontalmente a Constituição uma vez que os royalties são uma compensação financeira devida ao Estado produtor, já que esses não recebem ICMS na origem”, diz o professor de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da PUC/RJ.
Neste ano, o Rio de Janeiro deverá arrecadar cerca de R$ 6,9 bilhões em royalties de petróleo, dos quais R$ 1,6 bilhão serão destinados ao pagamento de dívidas com a União. O contrato de renegociação dos débitos estaduais, firmado em 1999, prevê como garantia as parcelas de royalties recebidas até 2021. “Como pode o Estado honrar um contrato celebrado com a União Federal, que é um ato jurídico perfeito, sofrendo uma diminuição brutal na participação desses royalties? Isso é frontalmente inconstitucional, um absurdo”, afirma Siqueira Castro.
Na opinião de Marcelo Jabour, da Lex Legis Consultoria Tributária, a compensação da perda de receita de royalties com a volta da arrecadação do ICMS do petróleo deve ter o debate retomado. “Como a situação é nova e não foi incluída no rol de discussões da Carta Constitucional, a questão pode e merece ser revista. Se houver repartição dos royalties, nada mais justo que haja participação dos Estados produtores na arrecadação do ICMS nas operações interestaduais, como ocorre com todos os produtos que circulam na federação”, afirma Jabour.

* Valor Econômico