É tempo de informalidade e flexibilização do trabalho no país
A recuperação da economia mais lenta do que o esperado teve impacto direto no mercado de trabalho, com a criação de vagas informais em ritmo acelerado.
O desemprego neste ano só não foi maior, na análise de alguns especialistas, porque a reforma trabalhista, que completou um ano em novembro, permitiu a redução do custo do trabalho com novas formas de contratação.
Uma dessas formas é o chamado contrato intermitente, sem jornadas fixas regulares de trabalho. Nesse caso, o profissional é chamado de acordo com a demanda do empregador e pode aceitar ou não a convocação.
Entre julho e setembro deste ano, o Brasil registrou 43,3% de trabalhadores sem carteira assinada, o maior percentual desde o final de 2015. Há dois anos, representavam 41,5%.
A tendência de aumento da informalidade deve se manter se a economia não decolar em 2019. Além dos efeitos da conjuntura, o emprego com carteira assinada também perde força com o maior uso de inovações tecnológicas e as novas formas de trabalho flexível.
Dos 92,6 milhões de brasileiros ocupados no terceiro trimestre, quase 40 milhões não tinham carteira de trabalho assinada. O número considera os empregados dos setores privado e público sem registro, trabalhadores por conta própria sem CNPJ (os chamados informais), domésticos sem carteira e aqueles que trabalham em família.
No setor privado, o número de empregados sem carteira assinada cresceu 5,5% frente ao terceiro trimestre de 2017, aumento de 601 mil pessoas no contingente informal.
“Foram 13 trimestres seguidos de queda do emprego com carteira assinada. Em um cenário de desemprego de longo prazo, quem perdeu o emprego teve de se reinventar no mercado informal”, diz Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE.
A informalidade é marcada por serviços que vão desde a venda de quentinhas nos arredores de centros comerciais e cabeleireiros nas periferias das metrópoles até a mão-de-obra de pedreiros para pequenos reparos e de motoristas de aplicativos de transporte, que migraram de outras profissões, explica Azeredo.
Para o professor da PUC-RJ José Márcio Camargo, economista da Genial Investimentos, a redução do custo do trabalho e a ampliação da terceirização frearam o aumento do desemprego e devem ter um impacto ainda maior na taxa no futuro.
“O Brasil vem de uma recessão que é de um padrão de país em guerra civil. Enfrentou ainda fortes choques, como o aumento de preços dos combustíveis, a greve de caminhoneiros e uma brutal desvalorização cambial. Mesmo assim, a economia cresceu; pouco, é fato, mas cresceu. E o desemprego recuou”, diz Camargo.
Uma das razões pode ser o efeito da reforma trabalhista, com redução nas demandas na Justiça do Trabalho e no valor das indenizações pagas nas ações. “Isso significa uma redução de custo do trabalho importante para o setor produtivo”, acrescenta Camargo.
A ampliação da terceirização —liberada para as atividades principais de uma empresa, o que antes era proibido— está relacionada, por sua vez, ao aumento do trabalho por conta própria, diz o especialista.
Com a retomada do crescimento econômico, ele acredita que deve haver maior formalização do emprego, mas não nos moldes tradicionais. “O que deve ocorrer é outro tipo de formalização, baseado mais em novos modelos de contrato, como o intermitente e o parcial.”
Criadas com a aprovação da reforma trabalhista, as vagas intermitentes corresponderam a 6% dos 162 mil postos gerados no país entre abril e junho deste ano, de acordo com dados do governo.
O aumento de contratos intermitentes, na análise do coordenador do IBGE, pode ter relação com o número significativo dos trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas –quase 7 milhões no terceiro trimestre.
Na subocupação, as pessoas fazem jornadas de menos de 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais.
“A criação do emprego, mesmo que informal, é o primeiro passo da recuperação no mercado de trabalho”, diz Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV.
Dados do IBGE compilados pelo Ibre mostram que a informalidade avançou mais na região Sul e entre os mais jovens, na comparação entre junho de 2018 e o mesmo mês de 2012, considerando os empregados sem carteira assinada e os trabalhadores por conta própria.
A flexibilização do trabalho é tendência no mundo, destaca Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper.
“O emprego formal full-time tende a cair no mundo, por causa da flexibilização do trabalho. Aquele vínculo tradicional de vários anos na mesma empresa está sumindo. As pessoas têm trabalhado de casa, por conta própria, prestando serviço a várias empresas e de uma forma mais flexível”, diz Menezes Filho.
A tendência também é de o trabalhador executar tarefas menos repetitivas, com e expansão de novas tecnologias em vários segmentos da economia e o avanço de sistemas de inteligência artificial e de máquinas que aprendem a partir do padrão de comportamento humano.
“As novas tecnologias trazem aumento da produtividade, com impacto nos preços dos produtos, que devem ser reduzidos. A participação do trabalho no preço final das mercadorias tende a cair, e, com isso, os salários também”, avalia o professor do Insper.
Na análise do economista Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, a tecnologia é o grande motor de transformação e fragmentação do trabalho.
A Alemanha e outros países europeus desde os anos 1990 já se preparavam para adequar a legislação trabalhista a essa nova lógica do trabalho, explica. “O Brasil, por sua vez, insistiu em uma legislação anacrônica, que encareceu demais a mão de obra e tornou muito rígida a possibilidade de substituir a mão de obra tradicional por formas mais flexíveis, que se adaptam mais rapidamente à demanda”, diz Silveira.
Os especialistas são unânimes em afirmar que as políticas públicas devem ser voltadas para preparar melhor o jovem para o mercado de trabalho, desburocratizar a criação de empresas e permitir o desenvolvimento de companhias mais dinâmicas, com tecnologias mais inovadoras.
“Não há outra saída a não ser investir em educação e dar igualdade de oportunidade”, diz Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, ao destacar que o desemprego entre os jovens é o mais elevado no país.
O sociólogo Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, chama a atenção para o que ocorre com os salários: o rendimento médio dos ocupados que conseguiram uma vaga (de janeiro a junho) equivale a menos da metade do que é pago no mercado.
Enquanto os que ingressaram no mercado recebiam em média R$ 1.023, o mercado oferecia R$ 2.128 para os demais. Os jovens chegam a ganhar apenas 65% do rendimento dos trabalhadores de 60 anos ou mais, segundo estudo do Dieese a partir de dados da pesquisa PNAD Contínua.
“Desemprego, fragilidade na representação sindical e diminuição da proteção social compõem o cenário que imobiliza a sociedade para disputar o que será o trabalho no futuro”, afirma Ganz Lúcio.
A falta de planejamento e de informação sobre projetos de futuro preocupa, na análise do economista Fabio Silveira, diretor da MacroSector. “É uma improvisação que predomina. Não há clareza na condução, o cenário para 2019 ainda é de muita incerteza e isso afeta diretamente as perspectivas de investimento e de melhora da economia, que está frente a uma grave situação fiscal”, diz ele.
Como exemplo da ausência de planejamento ele cita o episódio da extinção do Ministério do Trabalho, anunciada, cancelada e por fim confirmada pelo próximo governo.
“Não adianta o mercado de trabalho ter uma relação estressada entre empresas e trabalhadores. É óbvio que é preciso ter uma instância que regule essa relação. Extinguir não é a solução”, opina.
A retirada de direitos trabalhistas pode ocorrer com uma nova reforma no próximo governo, na projeção de Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador da FGV Ibre. “No governo Temer, o foco foi reduzir as incertezas, com regras para terceirização e novos contratos. Na próxima reforma, pode haver sim retirada de direitos com foco na redução de custo do trabalho.”
Fonte: Folha de São Paulo