Dilma quer mudar cálculo de aumento do mínimo
A presidente eleita Dilma Rousseff quer aprovar uma nova regra de reajuste do salário mínimo. Sua equipe de transição vai negociar com as centrais sindicais, em conjunto com o governo Lula, um novo mecanismo para começar a valer já em 2011.
A ideia é acertar um novo modelo para evitar o que, pela regra atual, aconteceria no ano que vem: o mínimo não teria reajuste real, sendo corrigido apenas pela inflação.
Um auxiliar do presidente Lula disse à Folha, porém, que ele não deixará o governo com “zero de aumento real”. Ontem, em entrevista à Band, Dilma também afirmou que apoiará um reajuste real do mínimo, não seguindo a regra atual.
“Como no ano passado o crescimento [do PIB] foi zero, nós vamos discutir com as centrais um aumento maior que esse”, disse Dilma, acrescentando que a intenção é manter regra semelhante à que está em vigor.
O reajuste do mínimo foi uma das principais bandeiras de campanha de José Serra (PSDB), que prometeu elevar o salário mínimo dos atuais R$ 510 para R$ 600, bem acima dos R$ 538,15 definidos pelo governo na proposta de Orçamento enviada ao Congresso em agosto.
Serra explorou o fato de o modelo em vigor -implantado no segundo mandato de Lula- definir que o mínimo seja corrigido pela inflação, mais a variação do PIB de dois anos antes.
Como a economia não cresceu em 2009, ano que vem a correção seria só pela inflação -a correção neste ano se refere à estimativa para 2010 na época, de 5,5%.
A mudança no cálculo, no entanto, também desarma uma bomba na direção contrária. Em 2010, o PIB do país deve crescer ao menos 7%, o que resultaria num percentual grande de reajuste do mínimo no futuro.
Segundo a Folha apurou, uma das propostas em estudo é antecipar parte do reajuste real a ser concedido ao mínimo em 2012.
A intenção é aproveitar as negociações do valor do salário mínimo do próximo ano para alterar o atual mecanismo e aprovar uma “política permanente” de reajuste do piso nacional.
Um assessor da presidente eleita disse à Folha que a base da nova proposta é manter a correção real de acordo com o “crescimento da produtividade da economia”.
Um dos problemas é que a nova regra e o valor do mínimo terão de ser aprovados pelo Congresso em menos de dois meses, tendo de enfrentar muitos parlamentares que não foram reeleitos.
Além disso, a negociação acontecerá no mesmo momento em que Dilma define sua equipe. O temor é que os aliados usem o tema em troca de espaços no governo.
Apesar de ter decidido conceder um aumento real, Lula afirma que não irá concordar com aumentos exagerados que possam prejudicar as contas públicas.
Segundo ele, não é possível chegar perto dos R$ 600 prometidos por Serra, criticados pelo governo e por Dilma, por significar um gasto extra de R$ 17 bilhões.
Apenas para bancar o aumento para R$ 538,15, a previsão de aumento de gastos do governo é de R$ 8 bilhões.
Oposição coloca reajuste de R$ 600 como prioridade
Principal bandeira da campanha de José Serra (PSDB), o aumento do salário mínimo de R$ 510 para R$ 600 vai ser uma das prioridades da oposição no Congresso até o final do ano.
Cientes de que será barrado pelos governistas, DEM e PSDB querem desgastar a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) ao insistir no reajuste -para o qual não há espaço nas contas em 2011.
A oposição afirma que o reajuste se tornou uma “obrigação” depois das eleições. “Cabe à oposição defender a tese por uma questão de coerência e, sobretudo, porque o partido e o candidato defenderam que esse mínimo é possível”, afirma o vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR).
O líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), diz que não há “dois pesos e duas medidas” sobre o salário mínimo, por isso a meta é chegar aos R$ 600.
Relator da proposta orçamentária de 2011, o senador Gim Argello (PTB-DF) descarta o mínimo de R$ 600. Ele admite, porém, a possibilidade, de ampliar o valor para R$ 550 já em 2011, a depender do aval de Dilma. “Conversei com a nossa presidente, já chegamos a R$ 540.”
Análise
A exploração demagógica suprapartidária de taxas e valores ameaça implodir a primeira política de valorização do salário mínimo desde o Plano Real, sem que tenha sido demonstrada a necessidade de uma alternativa.
Data de dezembro de 2006 o acordo com as centrais sindicais que definiu reajustes conforme o crescimento da economia de dois anos antes. Naquele momento, o presidente Lula abandonava a inviável promessa eleitoral de duplicar o poder de compra do piso salarial. Já descumprida no primeiro mandato, tal meta levaria, pela nova regra, mais uns dez anos para ser atingida -com a economia andando bem.
A vinculação entre o mínimo e a variação do PIB combina dois objetivos: pelo lado trabalhista, quem recebe o piso legal mantém sua participação na renda do país; no Orçamento, os benefícios da Previdência, da assistência social e do seguro-desemprego não aumentam mais que a arrecadação de impostos.
Sepultou-se o modelo errático de até então, em que se alternavam megarreajustes e percentuais pífios conforme as pressões políticas e as eleições. Proposta como parte do PAC, a regra nunca chegou a ser convertida em lei porque aliados e oposicionistas aproveitavam as discussões para propor reajustes mais generosos.
No entanto, a fórmula foi seguida nos últimos anos e, graças ao momento de prosperidade nacional, evitou uma piora ainda mais acentuada das contas do Tesouro Nacional com um mínimo de desgaste político. A paz, porém, terminou assim que o PIB deixou de colaborar.
Só neste ano, um impasse com as centrais impediu a definição do mínimo e o governo sancionou um imprevisto reajuste baseado no PIB para as aposentadorias de maior valor. A compensação foi definir, em lei, que o próximo governo proporá até março uma política a ser seguida de 2012 a 2023 -prazo tão difícil de entender como de levar a sério.
* publicado no jornal Folha de S.Paulo / por Fenacon