Desafios para as instituições de pagamento
Em novembro termina o prazo para que as “instituições de pagamento” (IPs) ingressem com pedido de autorização no Banco Central (Bacen). Muito se tem falado sobre o processo para tal autorização, mas quais serão os verdadeiros desafios a serem enfrentados por tais entidades (credenciadoras, emissoras de cartões pós-pagos e emissoras de moeda eletrônica, dentre outras) após a obtenção de tal licença?
A Lei nº 12.865, de 2013, e a regulamentação emitida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Bacen aproximou as IPs aos bancos, estendendo a elas grande parte da regulamentação aplicada às instituições financeiras. Ou seja, além de estarem sujeitas à vigilância do Bacen (que terá irrestrito acesso a documentos e dados armazenados em sistemas eletrônicos), as IPs, que nunca estiveram sujeitas a qualquer entidade supervisora, deverão observar diversas regras na condução de suas atividades, sendo algumas das mais relevantes discutidas a seguir.
Além da licença para funcionamento, as IPs deverão obter autorização para realizar operações societárias relevantes, como transferência de controle, fusão, cisão ou incorporação. Assim como para os bancos, a maior preocupação do regulador é com relação à reputação e capacidade financeira do controlador. Além disso, o exercício de cargos em órgãos estatutários deverá ser previamente aprovado. Diretores e conselheiros deverão agora contar com requisitos mínimos de reputação e qualificação técnica, compatível com o cargo a ser exercido, a critério do Bacen.
As instituições de pagamento deverão preservar o sigilo das informações pessoais dos clientes e os dados das operações
As IPs deverão adotar uma estrutura mínima de gerenciamento dos riscos operacional, de crédito e de liquidez, compatível com a natureza de suas atividades e a complexidade dos serviços de pagamento oferecidos, permitindo a identificação, a mitigação e o controle contínuo de tais riscos. Políticas e estratégias deverão ser estabelecidas e revisadas anualmente, com o objetivo de determinar a compatibilidade da estrutura com as atividades da instituição e com as condições de mercado.
Com exceção das IPs integrantes de conglomerados prudenciais, tais instituições deverão observar também requerimentos mínimos de patrimônio. O patrimônio líquido ajustado (PLA) das emissoras de cartões pós-pagos e das credenciadoras deve corresponder a, no mínimo, 2% do valor médio mensal das operações de pagamento nos últimos 12 meses. Já para as emissoras de moeda eletrônica, o PLA deve corresponder a, no mínimo, o maior valor entre 2% da média mensal das operações de pagamento nos últimos 12 meses e o saldo das moedas eletrônicas emitidas, apurado diariamente.
Para as IPs que administram contas de pagamento pré-pagas, a aplicação dos recursos correspondentes aos saldos em moeda eletrônica não será mais de sua livre escolha. Além de tais recursos passarem a constituir “patrimônio separado” da IP (não respondendo por qualquer obrigação da instituição em caso de insolvência), a sua alocação deverá ser realizada exclusivamente em espécie (mediante transferência para conta junto ao Bacen), ou em títulos públicos federais. O Bacen fixou um cronograma para a alocação obrigatória, começando em 20% em 2014 e aumentando gradativamente, até 100% em janeiro de 2019.
Adicionalmente, as IPs deverão adotar procedimentos de prevenção aos crimes de “lavagem de dinheiro” de que trata a Lei nº 9.613, de 1998, o que inclui a identificação de titulares de contas de pagamento. Informações cadastrais específicas deverão ser obtidas e mantidas atualizadas, inclusive com a realização de testes de verificação periódicos. Nesse sentido, é possível que os cadastros atualmente existentes tenham que ser complementados, já que o nível de informação exigido pelo Bacen pode ser maior do que aquele até então exigido pela IP.
Além disso, as instituições de pagamento deverão preservar o sigilo das informações pessoais de seus clientes e dos dados relativos às operações por eles realizadas, que passarão a ser protegidas pela Lei Complementar nº 105, de 2001 (Lei do Sigilo Bancário). A quebra de tal dever, fora das hipóteses autorizadas por lei, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão e multa.
Outro aspecto que merece destaque é o regime de responsabilidade que será aplicável aos participantes dessa indústria. Eventuais infrações às diretrizes e normas estabelecidas pelo CMN e pelo Bacen sujeitarão a IP e seus administradores às penalidades previstas na legislação bancária, especialmente aquelas da Lei nº 4.595, de 1964 – que incluem advertência, multa, suspensão e inabilitação para o exercício de cargos, cassação da autorização para funcionamento e, em alguns casos, detenção ou reclusão das pessoas físicas responsáveis.
Por fim, as instituições de pagamento estarão sujeitas aos mesmos regimes especiais de intervenção, liquidação extrajudicial e administração especial temporária (Raet) aplicáveis às instituições financeiras. Em tais casos, a responsabilidade de seus controladores e (ex-) administradores seguirão as mesmas regras aplicáveis aos bancos, ou seja, responderão solidariamente pelas obrigações assumidas pela IP, independentemente da apuração de dolo ou culpa, conforme determina a Lei nº 6.024, de 1975.
A nova regulamentação demandará, portanto, uma mudança na cultura corporativa e operacional das IPs. Resta saber se, sob o pretexto de trazer uma maior segurança jurídica à indústria de pagamentos eletrônicos, introduzindo um padrão de qualidade e mitigando o risco sistêmico, tal regulamentação acabará por criar entraves ao desenvolvimento desse mercado no Brasil.
Valor Econômico