Decisão sobre estender reajuste é irresponsável, dizem analistas
A decisão de estender a todas as aposentadorias e as pensões a regra de reajuste do salário mínimo mostra a falta de responsabilidade dos congressistas com o caixa da Previdência Social e pode comprometer a economia no futuro.
A análise é de especialistas em contas públicas ao comentar a aprovação da medida aprovada na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (24) por 206 votos contra 179 a extensão a todos os aposentados da política de valorização do salário mínimo.
A regra de reajuste do salário mínimo garante a inflação dos 12 meses anteriores (INPC) mais o crescimento da economia de dois anos antes. Hoje, os benefícios previdenciários acima do piso são corrigidos apenas pela variação da inflação.
“O Brasil está se tornando inadministrável. A cada 15 dias o Congresso Nacional vota uma medida que provoca ônus enorme para as contas públicas. A situação requer responsabilidade, e o Senado deve fazer seu papel de casa revisora. É o mínimo que se espera”, diz o economista Fabio Giambiagi, especialista em contas públicas, ao se referir a decisão aprovada pelos deputados nesta quarta e à medida provisória editada na quinta-feira passada (18) pelo governo.
A MP manteve a fórmula 85/95 que permite receber aposentadoria integral, quando a soma da idade com o tempo de contribuição der 85 anos para mulheres ou 95 para homens, com um sistema de progressividade.
“São cerca de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano de impacto nas contas da Previdência Social ao se estender a todos os benefícios o mesmo reajuste do mínimo”, diz Giambiagi.
“A medida gera um paradoxo. Se sairmos da crise, com um bom crescimento em 2017, teremos enorme efeito negativo sobre as contas em 2019 [isso porque o reajuste do salário mínimo combina o INPC de 12 meses e o crescimento do PIB de dois anos antes]. Ou seja: gera-se o risco de colocar o país em uma trajetória de crise. É como o efeito é de uma bola de ferro amarrada ao país no processo de sair da crise, o que segura e impede o crescimento”, afirma Giambiagi.
Para ele, a imagem que o país passa ao mundo ao tomar medidas como a aprovada nesta quarta é de “um país que faz festa à beira de um furacão”. “Nesse momento o Brasil é visto como um dos mais irresponsáveis do mundo. Alguém tem de chamar o Congresso para a responsabilidade: ou as lideranças do Congresso ou o Executivo”, completa.
De acordo com o economista, o rebaixamento da nota de classificação de risco do Brasil, feito pelas principais agências do mundo, será “apenas uma questão de tempo.” “Se as agências ratificarem a nota do país com as maluquices que estão sendo aprovadas no país [que geram impacto maior nas contas públicas em vez de redução de gastos], podem comprometer sua credibilidade.”
“O trabalho do ministro Joaquim Levy está se tornando um dos mais perigosos do mundo. Cada dia tem de lidar com uma bomba”, afirma Giambiagi.
NA CONTRAMÃO
Na opinião de Marcelo Abi-Ramia Caetano, economista do Ipea​ (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), esse seria o momento de se discutir como desvincular a correção do piso previdenciário do do salário mínimo. “Não só estamos fazendo o contrário como estamos na contramão do mundo.”
Ele ressalta ainda: ” O pacote na Grécia inclui uma reforma combinando redução de gastos previdenciários e idade mínima de 67 anos. Uma proposta muito mais ambiciosa do que a nossa.”
Para arcar com o impacto que a medida aprovada pelos deputados pode criar, Caetano acredita que será necessário ou aumentar impostos ou cortar verbas de áreas como saúde, educação, segurança ou outras : “essa conta não vai fechar”.
O economista do Ipea diz ainda que o que vai ocorrer, com essa fórmula de correção aprovada, é que o ganho do aposentado tende a ser maior do que o reajuste que será dado ao rendimento médio de quem está na ativa, no mercado de trabalho, e contribuindo para a Previdência Social.
Para Caetano, a aprovação da medida mostrou uma visão “míope”. “O Congresso Nacional só está pensando no curto prazo, no benefício eleitoral, olhando o que acontece com uma perspectiva de miopia fiscal e miopia política sem sem levar em conta o custo que isso vai gerar lá na frente.”
Um dos fatores mais preocupantes, destaca o economista, é que se deixa de pensar na Previdência Social como um seguro e uma forma de proteção social para manter a renda de gerações futuras para dar ganho real aos aposentados.
A FAVOR
A Força Sindical avalia que a extensão do reajuste a todas as aposentadorias é uma “vitória importante” dos aposentados e dos pensionistas.
“É o reconhecimento de um trabalho persistente e árduo por justiça social, tendo em vista que os benefícios de valores acima do mínimo vêm perdendo poder de compra por causa da política diferenciada de correção do piso nacional e das aposentadorias, que faz com que, a cada ano, mais aposentados passem a ganhar um salário mínimo”, diz Miguel Torres, presidente da central.
A medida precisa ainda ser votada no Senado, e a Força Sindical informou que vai procurar os parlamentares para que reconheçam esse “direito legítimo aos trabalhadores brasileiros”.
A extensão do reajuste a todos os benefícios foi incluída como emenda à MP que prorroga até 2019 a política de valorização do mínimo. Segundo o governo, a mudança aumentaria em R$ 9,2 bilhões os gastos com despesas previdenciárias neste ano, se aplicada desde janeiro.
Folha de São Paulo