Comissão aprova mínimo de R$ 540, mas valor deve subir
Relatório preliminar do Orçamento foi votado; negociação, porém, será política. Governo eleva valores do PIB de 2010 e 2011, o que irá reduzir, como proporção da economia, a meta de superavit.
A Comissão Mista de Orçamento aprovou ontem o relatório preliminar do Orçamento de 2011. O texto fixou as despesas com base em um salário mínimo de R$540, mas o valor final será anunciado no mês que vem.
No Congresso, centrais sindicais pressionam por um mínimo de R$ 580 e a intenção é fazer uma nova rodada de negociação com o governo para discutir o assunto.
O presidente Lula e a presidente eleita Dilma Rousseff defendem o mínimo de R$ 550, como a Folha informou no último sábado.
O relator do Orçamento, senador Gim Argello (PTB-DF), afirmou que o valor é “razoável” e que, caso ocorra mudança, ela será feita por medida provisória.
“O mínimo de R$ 600 foi vencido nas eleições”, argumentou, em exposição aos congressistas, o ministro do Planejamento Paulo Bernardo, referindo-se à proposta apresentada pelo candidato derrotado José Serra (PSDB).
Durante a exposição, Bernardo apontou ainda uma redução na projeção do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 2010, de 5,5% para 5,3%. Com isso, a projeção do valor do salário mínimo caiu de R$ 538,15 para R$ 536,88. O reajuste do mínimo é calculado pela variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes mais o INPC acumulado desde o reajuste anterior.
O governo federal elevou a projeção para o crescimento econômico deste ano de 6,5% para 7,5%, anunciou o ministro na audiência.
Com isso, foram elevados os valores do Produto Interno Bruto de 2010 e 2011, o que reduzirá, como proporção da economia do país, a meta de superavit primário (a parcela das receitas destinada ao abatimento da dívida pública) no próximo ano.
Os parlamentares também aumentaram o valor das emendas que podem apresentar, de R$ 12,5 milhões para R$ 13 milhões. O aumento significará despesas de cerca de R$ 300 milhões.
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ANÁLISE, de Luiz Guilherme Piva, diretor da LCA Consultores. Publicou “A Miséria da Economia e da Política” (Manole)
Formado por parâmetros econômicos, Orçamento é síntese política do país
O Orçamento, formado e analisado por parâmetros econômicos, é a síntese política de um país.
Política no sentido amplo: relações de conflito, convergência ou aliança entre grupos sociais que buscam conquistar e manter o poder e que têm, cada um, um dado espectro de interesses -sejam imediatos, simplórios, perenes ou nobres.
A capacidade de adotar e implantar o quanto se extrai de recursos da sociedade, e de atribuir aos grupos a cota de recolhimento de cada um, já expressa um certo arranjo de forças (o escolhido pelo governo ou o que lhe foi possível) e a legitimidade (coerção e consenso) do poder. Isso quanto às receitas.
Nas despesas, trata-se também de escolher que grupos se apropriarão dos recursos, e em qual distribuição. Também aqui as escolhas e circunstâncias do governo estarão expressas.
O termo governo não se refere só ao presidente, à sua burocracia, ou mesmo ao Poder Executivo. É o arco que, além desses, inclui os integrantes -no Legislativo, no Judiciário, na sociedade- da sustentação do poder nacional. Parece complexo para entender. Mas é simples.
Um exemplo, nas receitas: escolher ou ter que aceitar que a maior parte das receitas virá de impostos indiretos (embutidos nos preços e que incidem mais, proporcionalmente, sobre quem ganha menos) e não de diretos (que variam conforme a renda e a riqueza do contribuinte) é uma situação que dirá muito da configuração política do país. Outro, nas despesas: quanto vai se gastar em programas sociais, em obras, em custeio e subsídios?
Há, é claro, tanto nas despesas como nas receitas, algum “saber” estabelecido: ninguém acha que tudo é possível. Mas o exercício de ver politicamente quais são os dutos que irrigam e sugam os cofres públicos, e como eles são construídos na elaboração orçamentária, é muito interessante.
* publicado no Folha de S.Paulo