Belluzzo: “Brasil tem uma indústria atrasada, com déficit de competitividade”
Indústria recebe proteção do governo, mas não cumpre exigências para melhorar desempenho
Após vários pacotes de incentivo bilionários para reanimar a indústria brasileira, o setor continua a perder espaço para os concorrentes tanto no mercado internacional quanto no doméstico. A competitividade minguou nos últimos 30 anos. Um dos motivos, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, é que a indústria recebe proteção do governo, mas, diferentemente do que acontece em outros países, não precisa cumprir exigências para melhorar o desempenho.
Diminuir a rentabilidade do negócio é uma das saídas apontadas por especialistas para tentar recuperar o terreno perdido.
Mas os economistas preveem um efeito perverso: desestimular os investimentos. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos gurus da equipe econômica, o governo deveria fazer uma política de ganho de competitividade para reanimar a indústria e estimular o crescimento.
Ele lembra que as cadeias produtivas no Brasil têm particularidades que, cada vez mais, as distanciam do novo padrão do comércio mundial. E precisam de ações customizadas de estímulo para chegar ao patamar da indústria internacional. Belluzzo cita o exemplo de uma fábrica na China que produz sozinha o mesmo número de carros fabricados em todo o Brasil.
— O Brasil tem uma indústria atrasada, com déficit de competitividade em relação ao mundo, que teve avanço nas cadeias produtivas. Fizemos muita proteção sem exigência de desempenho. Redução de margem de lucro será uma consequência para ter um mercado mais competitivo — destaca o economista.
Um índice produzido na universidade americana Princeton indica que o lucro no Brasil é alto. O indicador compara o custo da mão de obra de vários trabalhadores do McDonald’s no mundo. Aqui, um funcionário da empresa compra meio Big Mac com o que ganha em um hora de trabalho. O japonês que faz o mesmo serviço para produzir o mesmo produto pode comer três hambúrgueres com o que recebe por hora de trabalho.
— Apesar de o custo da mão de obra ter crescido no Brasil, ele ainda é baixo. Mas os preços não são, e isso indica que o lucro é maior que nos outros países — frisa o economista André Perfeito, da Gradual Investimentos.
Ainda assim, representantes da indústria afirmam que o setor já vive, hoje em dia, uma queda do lucro para evitar o repasse da alta dos custos para os preços.
Em poucos segmentos a margem é maior que de concorrentes internacionais, diz a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para o economista-chefe da instituição, Flávio Castelo Branco, achatar a margem de lucro dos negócios seria um perigo, pois diminuiria o interesse dos empresários em investir.
Aperto teria impacto imediato
Para Júlio Gomes de Almeida, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda , o setor já vive um achatamento das margens desde o início da crise mundial. Ele alerta que a queda do lucro pode afetar não só o investimento, mas também o presente das companhias brasileiras, pois uma rentabilidade menor impactaria a capacidade de financiamento das empresas.
— O melhor dos mundos seria a indústria reduzir margem de lucro porque aumentou a produção ou as exportações ou porque está vendendo mais para o mercado interno. Isso é sadio. No entanto, reduzir o lucro por estar deprimida é perigoso.
O Globo