BC aponta herança maldita para 2015
A herança que o próximo presidente receberá — seja Dilma Rousseff, seja um candidato da oposição o vencedor das urnas em outubro próximo — será um fardo e tanto. A prevalecer o quadro sombrio traçado ontem pelo Banco Central, a inflação se manterá alta e muito distante do centro da meta, de 4,5%, até pelo menos o primeiro trimestre de 2016. O crescimento da economia permanecerá minguado e o futuro governo terá de lidar com reajustes represados da energia elétrica e da gasolina. Parte dessa fatura, porém, será paga pelos brasileiros ainda em 2014. E não será pouco.
Pelas contas do BC, a inflação deste ano ficará em 6,1%, podendo atingir 6,4% até setembro, encostando no limite da tolerância, de 6,5%, puxada pelos reajustes dos alimentos. O avanço do Produto Interno Bruto (PIB) será de apenas 2%. Com isso, além de não entregar o custo de vida em níveis mais confortáveis, a presidente Dilma fechará seu mandato com crescimento médio de 2,04%, o menor resultado em duas décadas. No primeiro mandato de Lula, o incremento médio anual do PIB foi de 3,67%. No segundo, de 4,71%. Ou seja, Dilma reduziu o crescimento econômico do Brasil a menos da metade do que recebeu do antecessor.
O mais assustador é que a inflação está em disparada apesar de o Comitê de Política Monetária (Copom) estar elevando os juros desde abril do ano passado. Foram oito aumentos consecutivos, totalizando 3,5 pontos percentuais, de 7,25% para 10,75% ao ano. Trata-se de um dos maiores apertos já promovidos pelo BC desde a implantação do regime de metas inflacionárias, em 1999. Mas o custo de vida não só se manteve alto, como as expectativas dos agentes econômicos se deterioraram, o que serve de combustível para as remarcações. Na média, o mercado aposta em inflação de 6,28% neste ano.
Diante desses números desanimadores, analistas entendem que o Copom seguirá elevando os juros. Há quem aposte que a taxa básica (Selic) terá de alcançar os 12% ao ano para que o surto inflacionário seja estancado. Na avaliação de especialistas, os aumentos de produtos in natura (frutas, legumes e verduras) estão se disseminando pela economia, tornando o trabalho do BC ainda mais difícil. Para o diretor de Política Econômica da instituição, Carlos Hamilton Araújo, não há motivo para pânico. Segundo ele, a despeito dos ventos contrários na economia, “a política monetária está fazendo o seu papel, e vai continuar fazendo”. E acrescentou: “À medida que o tempo for passando, os preços vão responder ao esforço que está sendo feito”.
Incômodo
As projeções do BC, contidas no Relatório Trimestral de Inflação, coincidiram com a divulgação de uma pesquisa que mostrou um forte tombo na popularidade da presidente Dilma. Não à toa, o Palácio do Planalto sentiu o baque e já se movimenta para tentar criar fatos positivos na economia. Para os economistas, não será fácil, uma vez que os estragos provocados pelo governo são profundos e exigirão anos para serem consertados. “O quadro atual é bastante preocupante”, observou o economista Vagner Alves, da gestora de recursos Franklin Templeton. “Por isso, as expectativas estão se deteriorando tão rápido.” Além do possível reajuste da conta de luz, de 9,5%, conforme projeções do BC (veja matéria na página 9), há incertezas em relação aos preços da gasolina, congelados para evitar que o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) estoure o teto da meta.
No entender de Carlos Hamilton, há um exagero no pessimismo, sobretudo pelo fato de o BC estar agindo há um ano para evitar o descontrole inflacionário. “A resposta do Banco Central é a que vem sendo dada desde abril de 2013 (alta de juros) e, diga-se de passagem, é a melhor que podemos dar”, disse. “Não há evidência de que a resposta da economia de agora seja diferente da observada em outros ciclos (de alta dos juros)”, frisou. Para ele, em algum momento, os preços começarão a cair. “(As expectativas) não cederam até agora, mas eu não posso tomar isso como indicativo de que não vão ceder. A nossa visão é que vão ceder.”
Experimentalismo
Diante das declarações de Hamilton, o mercado consolidou a visão de que a Selic terá pelo menos mais duas altas de 0,25 ponto nas próximas duas reuniões do Copom, com a taxa alcançado 11,25%, superando, de longe, os 10,75% que Dilma recebeu de Lula. “Esse é mais um exemplo de que nada do que o governo tentou fazer deu certo”, afirmou o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Luis Oreiro. As barreiras para conter os excessos na entrada de dólares no país também caíram, assim como fracassou a cruzada de Dilma para derrubar os juros cobrados dos consumidores. Os encargos já estão no mesmo patamares de maio de 2012, quando ela declarou guerra aos bancos.
Na opinião do economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, boa parte da herança construída por Dilma decorreu da chamada “nova matriz econômica”, idealizada pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério da Fazenda. Ela consistia no abandono da meta de inflação por um período, para acelerar o crescimento do PIB, de redução do superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) e de controle do câmbio. Devido ao resultado desastroso, acabou abandonada. “Tudo o que esse programa produziu foi uma situação inusitada, em que a economia pouco cresce, mas a inflação e os juros seguem elevados”, assinalou. O problema é que os experimentalismos comprometeram o futuro do país. O próximo presidente deve se preparar para o pior.
Pressão da gastança
O excesso de gastos do governo em relação às receitas, tendência que tem prevalecido nos últimos anos, é um dos principais fatores que provocaram a subida da inflação. O diagnóstico, que mal esconde uma crítica à atuação do Ministério da Fazenda — responsável pelo controle dos guichês do Tesouro —, foi feito ontem pelo diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton. “Isso (a expansão das despesas) tem de ser levado em conta”, disse.
Foi a primeira vez que ele culpou de forma clara a política fiscal expansionista adotada pela equipe comandada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Sempre trabalhamos com o propósito de levar a inflação para o centro da meta (de 4,5%), mas ela responde a diversos estímulos que não necessariamente estão sob o controle do BC”, argumentou o diretor. Além da gastança do governo, Hamilton apontou a valorização do dólar nos últimos meses como outro motivo da carestia elevada.
“Os movimentos da taxa de câmbio são determinados pelas forças de mercado, e não pelo Banco Central. Houve mudanças no cenário global que provocaram a elevação do dólar”, observou Hamilton. A alta da moeda norte-americana tem impacto direto no preço dos produtos importados e, indiretamente, afeta uma vasta gama de mercadorias fabricadas no país que embutem itens estrangeiros em sua composição.
O diretor frisou que o BC tem feito “o que está ao seu alcance” para que a inflação volte a convergir para a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional, mas reconheceu que isso não deverá ocorrer no horizonte dos próximos dois anos. Sinalizou, porém, que a instituição conta com a ajuda de uma taxa de câmbio mais comportada para cumprir o objetivo, destacando que o dólar, que ontem fechou a R$ 2,26, tem seguido, recentemente, uma trajetória inversa à mencionada no Relatório de Inflação, de acordo com o chamado cenário de mercado, em que a cotação prevista para o fim de 2014 é de R$ 2,48.
Represamento
Carlos Hamilton admitiu ainda que o represamento artificial dos preços administrados pelo governo — como os de combustíveis e da energia elétrica —, apesar de, num primeiro momento, ajudar a segurar os índices, tem efeito negativo sobre as expectativas inflacionárias dos agentes econômicos. Todos eles, observou, esperam que esses preços “sejam corrigidos em algum momento”.
Fonte: Correio Braziliense