04/05/2009
Uma queda mais que anunciada
A queda na taxa Selic, como de hábito, desagradou empresários, sindicalistas e economistas. Mas a Selic tem como objetivo manter a inflação dentro da meta fixada para o ano.
Deu-se novamente o esperado na reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) da última quarta-feira: a taxa Selic caiu um ponto percentual, refletindo as apostas do mercado; e a queda na taxa, como de hábito, desagradou aos empresários, aos sindicalistas e aos economistas. Como o Copom já sabia que desagradaria quase todo mundo, menos o mercado, por que não baixou a taxa Selic em 1,5 ponto percentual, repetindo a queda da reunião anterior?
A taxa Selic, fixada pelo Copom, tem como objetivo manter a inflação (medida pelo IPCA) dentro da meta fixada para o ano calendário. A despeito de declarações em contrário, que afirmam que há outros objetivos na fixação da Selic, o Banco Central tem uma meta objetiva a perseguir e um instrumento a utilizar, a taxa de juros. Portanto, para analisar se a redução da Selic foi pequena ou adequada, a primeira coisa a fazer é examinar a quantas anda a inflação.
O IGP-M, índice de geral de preços de mercado, elaborado pela Fundação Getulio Vargas, mostra deflação nos últimos dois meses (queda de 0,74% em março e 0,15% em abril). Nos 12 meses terminados em março o índice acumula um aumento de 5,38%. No entender do coordenador de análises da FGV, Salomão Quadros, a velocidade da queda recente dos preços está diminuindo, justificando afirmar que há uma tendência de estabilidade de preços para os próximos meses. Essa desaceleração seria provocada, em parte, pela retomada de alta dos preços de algumas commodities brasileiras, consumidas no mercado interno e exportadas para o exterior.
Outros indicadores mostram um quadro diferente. Se o IGP-M subiu 5,38% nos 12 meses encerrados em março, no mesmo período os preços dos serviços subiram 7%. Somente em março, os preços dos serviços pessoais subiram 1,45%. Além disso, a despeito da forte queda da produção industrial no primeiro trimestre deste ano e com a utilização da capacidade instalada ter chegado ao ponto mais baixo desde que esse indicador começou a ser elaborado em 1999 (68%), a massa salarial continua crescendo. Aparentemente, nem o fato de a taxa de desemprego ter chegado a 15% em março parece ter atenuado as pressões da demanda.
Independentemente de quem tem razão quanto às tendências de curto prazo nos preços, o Copom na verdade mira o longo prazo, já que as metas de inflação são anuais. E para procurar avaliar essas tendências a prazos mais longos, outros indicadores podem ser mais relevantes que o comportamento dos preços no primeiro trimestre do ano.
Por exemplo, nesse mesmo primeiro trimestre, as despesas públicas se expandiram de forma acelerada. Os gastos com pessoal cresceram 31,2% em janeiro, 25,4% no primeiro bimestre, e 24,8% em março, em decorrência dos reajustes dos servidores e do aumento do salário mínimo.
Para acomodar esse espantoso crescimento com as despesas com pessoal, o crescimento dos gastos com investimentos desacelerou fortemente. Esses gastos, que em janeiro cresceram 18%, em março já estavam crescendo a 13%, relativamente a igual mês de 2008. Tudo isso em um ambiente de queda na arrecadação tributária.
O que diferencia os gastos correntes dos gastos com investimentos é a natureza permanente dos primeiros. Um reajuste salarial aumenta a folha de salários e encargos todos os meses, enquanto obras podem ser canceladas ou executadas com cronogramas mais dilatados no tempo. Aumentos de salários e encargos viram demanda, que se acumula ao longo do ano – e que reflete nos preços, lá adiante.
É claro que, ponderadas todas as cautelas, espaço para reduzir mais a taxa de juros há, desde que resolvida a questão do giro da dívida pública. Com a Selic a 10,25% ao ano, chegou-se muito perto do piso da taxa de juros. Isso decorre das atuais regras de remuneração das cadernetas de poupança, como já se tratou aqui nesse espaço. Se os poupadores esperam uma inflação de 4,5% nos próximos 12 meses, a taxa Selic real (descontada a inflação) está em 5,5%, antes da tributação, que inexiste no caso das cadernetas de poupança.
Portanto, de agora em diante, qualquer redução da taxa Selic fica condicionada à redução da remuneração das cadernetas de poupança. Problema econômico trivial, uma vez que é necessário reduzir todas as taxas de juros.
Problema político aparentemente intratável,por suas repercussões eleitorais e que requer uma solução, a menos que fiquemos contentes com a Selic atual.
*Roberto Fendt é economista
Fonte: Diário do Comércio
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