Procuração eletrônica e a responsabilidade do contabilista no uso dos serviços eletrônicos da Receita Federal
A procuração eletrônica – que permite ao contribuinte delegar ao profissional contábil a possibilidade de utilizar, através do certificado digital, os serviços eletrônicos oferecidos pela Receita Federal na internet – tem garantido maior agilidade ao trabalho do contabilista. Por outro lado, também vem provocando questionamentos e preocupações, dentro da classe contábil, sobre qual a responsabilidade perante a lei de quem faz uso de tal documento.
A procuração eletrônica caracteriza um contrato de mandato, que é regido pelas disposições comuns de Direito Civil (arts. 653 a 692 do Código Civil). O contabilista atua como mandatário do outorgante, ou seja, pratica atos e administra interesses em seu nome. Não lhe cabe, porém, a responsabilidade por tais atos, por força dos artigos. 663 e 675, salvo nas hipóteses de má-execução do objeto do mandato (art. 667) e de atuação com excesso de poderes (art. 665).
No primeiro caso, o contabilista deverá indenizar o outorgante pelos prejuízos causados. No segundo, ficará responsável perante terceiros, já que, naquilo em que os atos praticados excedem do mandato, consideram-se praticados em nome próprio, exceto se houver ratificação expressa pelo outorgante. Portanto, a procuração eletrônica outorgada ao contabilista gera a responsabilidade civil inerente a qualquer contrato de mandato.
Contudo, como a procuração envolve o trato com obrigações tributárias, pode emergir, também, responsabilidade tributária para o contabilista mandatário, embora também restrita ao cometimento de irregularidades pelo profissional da contabilidade, delineadas no art. 135, inc. II, e no art. 137, inc. III, alínea “b”, ambos do Código Tributário Nacional – CTN.
Assim, a responsabilidade tributária do contabilista mandatário, com o surgimento de relação jurídica para com o Fisco, existirá tão somente em três hipóteses: atos praticados com excesso de poderes, atos praticados com infração de lei e prática de ilícitos tributários com dolo específico contra o outorgante.
Haverá responsabilização pessoal quando os atos praticados com excesso de poderes ou com infração de lei resultarem de atuação dolosa do contabilista, que age com plena consciência de que está extrapolando os poderes que lhe foram outorgados ou violando a lei tributária.
É importante frisar que a mera falta de pagamento do tributo não configura infração de lei, não sendo apta a gerar a responsabilização pessoal do contabilista mandatário, mas apenas a atrair a incidência dos acréscimos moratórios, de responsabilidade do contribuinte outorgante, salvo se comprovado o dolo por parte do mandatário, que agiu por conta própria e deliberadamente com o intuito de suprimir tributo.
No que tange à prática de ilícitos tributários, inclusive daqueles que sejam tipificados por lei como crimes ou contravenções, o contabilista mandatário só responde pessoalmente perante o Fisco quando o ilícito tiver sido cometido com o dolo específico de prejudicar o outorgante, nos termos do art. 137, inc. III, alínea “b”, do CTN.
Ou seja, se o ilícito tributário decorreu de atuação conforme a vontade do outorgante, no exercício do mandato, não há responsabilidade do contabilista, pois o dolo de burlar o Fisco foi do outorgante.
Ante o exposto, o que se pode concluir é, em suma, que, fora do contexto da atuação dolosa, caracterizada pela prática de atos com excesso de poderes, com infração de lei ou com dolo específico contra o outorgante, não recairá qualquer responsabilidade tributária sobre o contabilista mandatário, mas apenas responsabilidade civil inerente ao contrato de mandato.
* Fernando Telini e Lucianne Coimbra Klein, da Telini Advogados Associados – [email protected]