O STF e o caos tributário
A decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS no cálculo dos tributos PIS/Pasep e Cofins sobre produtos importados pode causar perdas bilionárias ao governo federal.
O STF entendeu que a inclusão fere o artigo 149 da Constituição, que prevê taxação só sobre o valor aduaneiro (custo do bem ou serviço no exterior, acrescido de frete e outras despesas de internação).
Os efeitos práticos da decisão só ficarão claros com a publicação do acórdão. A Fazenda já anunciou que o ressarcimento ocorrerá caso a caso, mas que vai recorrer ao Supremo e solicitar que a decisão não se aplique a ações ajuizadas após a data do julgamento. Caso o argumento seja aceito, o passivo seria reduzido consideravelmente.
O julgamento se arrastava desde 2004. É absurdo consumir oito anos para decidir uma causa de tamanha repercussão. Em geral, a insegurança tributária termina prejudicando o contribuinte, mas, nesse episódio, ela se voltou contra o governo.
No contexto atual de superavit fiscais cadentes por causa de desonerações que buscam reforçar a competitividade, a notícia não contribui para tal objetivo. O governo perderá receitas, e produtos importados serão beneficiados.
A despeito disso, é forçoso reconhecer que o entendimento do STF é sólido. Num contexto mais amplo, contribui para limitar a arbitrariedade tributária do Estado. Pena não ser regra geral.
Não vem de hoje o costume dos governos, federal e estaduais, de incluir tributos em sua própria base de cálculo. O mesmo STF decidiu, em 2011, pela constitucionalidade da prática no caso do ICMS, o chamado cálculo “por dentro” que incide sobre a conta de telefone, por exemplo -a alíquota de 25%, incluída em seu próprio cálculo, puxa a cobrança para 33%.
Alguns ministros do STF entenderam que o governo majorava a alíquota de forma legal e transparente. Legal, segundo o Supremo, mas ainda assim em afronta a qualquer racionalidade.
A mais recente decisão do STF apenas retoma um tema conhecido -o caos da legislação tributária. As empresas brasileiras gastam quase cinco vezes mais horas que a média global para cumprir a legislação complexa e cambiável.
Tem razão o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda Bernard Appy, que em artigo recente chamou a atenção para a insegurança jurídica relacionada à legislação tributária como um dos principais fatores a travar os investimentos no Brasil.
Editorial da Folha de S.Paulo