O “foie gras” contábil
Recebi um jornal, na verdade uma Folha-jornal (um jornal pequeno, um jornalzinho). Parei minhas atividades e comecei a “dedar” o material, ou se preferem, comecei a “virar as páginas com o dedo”.
Numa das páginas, com título em letras garrafais, encontro um texto que se propõe a apresentar o que muda, afinal, com a Lei 11.638. Como o texto não é assinado, entendo que seja a opinião oficial do órgão de divulgação da Folha-jornal sobre o tema. Pelo que sei, seria a primeira vez, direta é claro!
Enquanto leio o texto, não sei bem por qual motivo, ou motivos, começo a me lembrar do “foie gras” (pronuncia-se fouagá).
A cada linha, o “foie gras” volta! Não sai da cabeça.
Não sei…
Preciso parar de ler, recompor meus pensamentos lógicos (sic).
Certo, alguém, a esta altura, pode já estar se perguntando, o que é afinal esse tal de “foie gras”?
De forma simplista, o “foie gras” é um refinado patê de fígado de ganso (ou de pato), tendo como maior produtor a França.
Agora, mais fundo (e é aqui que meu pensamento-problema estacionou).
Esse fígado, para se tornar iguaria refinada, é inchado de 6 a 12 vezes do tamanho normal. Esse inchamento ocorre através de uma superalimentação da ave, ou melhor, de uma alimentação forçada. Ou seja, para a produção desse fígado inchado os gansos (ou patos) são submetidos a uma superalimentação e à força.
Para isso, os produtores pegam os gansos (ou patos) um de cada vez, os prendem e os forçam a abrir seus bicos para introduzir um cano de metal de 20 a 30 cm que vai até o estômago (uh!). Então eles acionam uma alavanca que bombeia a ração de milho direto ao estômago da ave. Cada ave é forçada a ingerir até 3,5 kg de ração por dia. Em alguns casos os produtores colocam um anel elástico apertado no pescoço da ave para o caso de ela tentar regurgitar a ração. Isso ocorre de 3 a 5 vezes por dia.
Depois de 4 semanas de alimentação forçada, “goela abaixo”, os gansos (ou patos) são abatidos. Na maior parte das vezes, seus fígados estão inchados de 6 até 12 vezes o tamanho normal – formando massas pálidas e inflamadas do tamanho de melões em vez de órgãos firmes, pequenos e sadios. Os animais assim ficam com dificuldades de andar e respirar, e não precisa muita imaginação para perceber que toda essa alimentação forçada pode causar outros danos.
Bem, esse é o “foie gras”, padrão internacional!
Não é novo, mas é padrão internacional, e é isso que importa.
Em síntese, para se obter o “foie gras”, ou o resultado pretendido, não interessa os meios empregados, enfia-se “goela abaixo” aquilo que o produtor (o dono, o poder) ordenar. E ao final, todos estão… mortos, mas o padrão sobrevive. Isso é o que importa!
Voltei a ler o texto… Parei de novo! Não consigo tirar o “foie gras” da cabeça…
Não sei…
Levanto-me, vou até a janela. Vejo um reflexo no vidro espelhado, mas não reconheço. Sou eu!? Vejo-me refletido como um pato (ou um ganso, não sei diferenciá-los); olho pra Folha-jornal na mesa, não a identifico, transformou-se num cano de metal de uns 20 a 30 cm; as letras sofreram alguma mutação, saltaram e são agora grãos de milhos; minha gravata começa a apertar, parece um anel elástico…
Não sei, preciso parar. Parei!
Desisto! Outro dia comento o texto, quem sabe encontro uma relação entre ele, o texto, e o “foie gras”. Não sei…
Volto pras minhas atividades.
Não sei…
Vou ler os Fundamentos da Nova Educação, nos Cadernos da Unesco. Neles o “foie gras” não me vem à cabeça; neles vejo os Sete Saberes para a Educação, descritos por Edgar Morin; neles vejo os quatro pilares da Educação para o Século XXI; neles vejo que para o Ensino Superior o lema é “Educação: um tesouro a descobrir”, onde se ultrapassa uma visão puramente instrumental da educação, considerada como via obrigatória para obter certos resultados (saber fazer), e se inicia uma educação na sua plenitude, formando estudantes que sejam bem informados e motivados, capazes de pensar criticamente, com conteúdo multidisciplinar e interdisciplinar…
Enfim, não sei o que o “foie gras” tem a ver com tudo isso!
Não sei…
Alguém sabe?
Autor: Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.
Fonte: Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 21 de Julho de 2009