Método infalível para escolher candidato
Na falta absoluta de pessoas elegíveis que me agradem, criei para mim mesmo o método “infalível e científico” para escolher candidatos políticos. Não preciso saber quem eles são, a sua trajetória política ou se são ficha limpa. Valho-me do conceito de gesto técnico, do arqueólogo André Leroi-Gourhan.
Segundo ele, se não dominarmos gestos corretos, não conseguimos fazer coisas que são indispensáveis para nós mesmos, como lascar uma pedra. Exemplo na etnologia são os bosquímanos de Botsuana. As crianças ganham um arco e flecha pequeno, mas funcional, para treinar a mira em grilos. E ao crescerem, vão ganhando um arco maior, até que em determinado momento estão aptas a caçar com arco de maneira muito preciso.
Transplantando isso para a nossa realidade cotidiana, fico a questionar o nosso modelo de educação: o que se aprende do jardim de infância ao segundo grau é muito pouco útil para o que vem depois. No máximo, ajuda em um ritual de passagem – vestibular – que cada vez menos garante passagem para algum lugar.
Por outro lado, o repertório de gestos técnicos dos políticos e picaretas em geral parece ser sempre o mesmo. Espanta-me quem sabe o nome completo de um número infindável de pessoas. Ou pessoas que têm uma vida social e íntima com meio mundo: “Hoje almocei com o doutor Fulano da Silva Santos. À noite, fomos na casa do deputado Sicrano Peculato e jantamos agradavelmente com dona Maria e Peculatinho Jr.”. Como é que pode?
De início, achava que minha memória e sociabilidade eram frágeis, mas com o tempo me dei conta de que isso é um gesto técnico importante no Brasil. Precisamos ter uma intimidade, ainda que forjada, para conseguir as coisas que queremos, pois vivemos do compadrio, de uma estranha ética do favor entre amigos. Precisamos saber o nome de todos, pois isso envaidece quem ouve e também é o código de que eu tenho o savoir faire necessário para ingressar na corte patrimonialista.
Outro gesto técnico: nunca responder a nada diretamente, mesmo à pergunta mais simplória. Tudo é uma oportunidade para um palanque ou comício de palavras ao vento. Quando o presidente Lula diz: “Nunca antes na história deste País…”, eu fico pensando: ele é um profundo conhecedor da história do Brasil? Nós sabemos que não.
Então, ou ele está mentindo deslavadamente ou, pior, está aceitando fiduciariamente a palavra de um assessor, no qual eu não votei e não sei nem quem é. É um títere, um ventríloquo de alguma mão discreta.
Então, a fim de evitar a angustiante tarefa de ter que acompanhar a vida desses inúmeros aventureiros que querem me representar, criei essas regrinhas pessoais, para não votar só por votar.
* por Samantha Buglione, jurista, doutora em ciências humanas e consultora / artigo publicado no A Notícia