Concorrência Leal II – Ilegitimidade da aplicação da margem de lucro da OSN nº 1/71
A Secretaria da Fazenda de Santa Catarina está aplicando a Ordem de Serviço Normativa – OSN nº 1/71 para presumir a ocorrência de omissão de receita e para arbitrar a base de cálculo do ICMS. A norma está sendo utilizada no âmbito da Operação Concorrência Leal II, uma fiscalização massiva voltada à apuração de inconsistências ou divergências quanto ao ICMS devido pelas microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional.
O referido ato, expedido em setembro de 1971 pelo então diretor do Departamento de Fiscalização, fixa percentuais presumidos de lucro bruto, que variam de acordo com a atividade econômica do contribuinte. No caso de atividades comerciais, variam conforme o produto – de 20% a 200%. Em atividades industriais, o percentual está fixado em 30%.
Os fiscais presumem a existência de operações tributáveis não registradas pelo contribuinte a partir da constatação da diferença entre o valor das saídas registradas e o valor das saídas a preço de custo acrescido do lucro apurado pela aplicação dos percentuais da OSN nº 1/71. Após, arbitram a base de cálculo do ICMS lançado a partir destes mesmos percentuais.
Contudo, o emprego da OSN nº 1/71 como critério de apuração da base de cálculo é ilegítimo, pois viola princípios e regras do Sistema Tributário Nacional. Esse vício determina a nulidade das Notificações Fiscais emitidas com amparo no ato.
A aplicação dos percentuais de lucro bruto da OSN nº 1/71 afronta a legalidade tributária. A criação e a majoração dos tributos são objeto de reserva legal. Assim, a base de cálculo pode ser estabelecida somente por lei. A Administração Tributária não pode fixar, direta ou indiretamente, qualquer critério integrante do valor tributável.
Assim, a OSN nº 1/71, norma de hierarquia inferior expedida pela Administração Tributária, não poderia fixar critérios de apuração da base de cálculo do ICMS, como a margem de lucro auferida com a venda das mercadorias. É inválida, portanto, a utilização de seus percentuais como parâmetro do arbitramento.
Ademais, o arbitramento da base de cálculo é medida que possui como requisito legal a abertura de um processo administrativo específico para cada caso concreto, tendo por objeto a apuração e a comprovação dos fatos e a determinação do valor tributável.
O arbitramento não pode ser feito com base em valores fixados em atos normativos, dada a sua generalidade. Ou seja, a medida é descabida quando fundada em uma pauta fiscal de valores prévia e aleatoriamente fixados pelas autoridades fazendárias, sem considerar as especificidades de cada caso concreto.
Uma empresa que, por exemplo, comercializa mercadorias de elevada qualidade e, consequentemente, de maior custo possui margem de lucro inferior, para manter a competitividade dos seus produtos. Essa peculiaridade não é considerada pela OSN nº 1/71.
O STJ entende pela invalidade da pauta fiscal, por resultar na dissociação da base econômica do tributo, violando, ainda, a repartição constitucional das competências tributárias. O TAT também tem precedentes favoráveis aos contribuintes.
Para fins de arbitramento, correto seria a fiscalização apurar a média específica de lucro da empresa nos últimos anos, com o que chegaria a um percentual mais próximo da realidade do contribuinte e de acordo com a sua capacidade contributiva.
Finalmente, é preciso considerar que os percentuais presumidos de lucro bruto da OSN nº 1/71 estão defasados. Desde a década de 70, a concorrência no mercado se acirrou de maneira significativa, com a consequente redução da margem de lucro. Dessa forma, a aplicação do ato resulta em valor tributável em desacordo com a atual realidade econômica.
Fernando Telini (OAB/SC 15.727) e Lucianne Coimbra Klein (OAB/SC 22.376) – advogados tributaristas, da Telini Advogados Associados – www.telini.adv.br / [email protected]