Estímulos: estratégia de saída
Considerações reforçam sentimento de que a economia brasileira pode estar no fim da fase mais aguda da recessão, ensaiando a recuperação já no primeiro semestre de 2010.
Roberto Fendt
A última quarta-feira marca uma data importante no desenrolar da crise que atravessamos: o início da “estratégia de saída” dos estímulos anticrise do governo americano, com o término, no fim de setembro, do programa de recompra de títulos do Tesouro. Com esse passo inicial, fica aberto o caminho para que, talvez em meados do próximo ano, o FED comece uma vagarosa elevação da taxa básica de juros dos EUA, mantida entre zero e 0,25% ao ano.
Os recursos desembolsados pelo programa de recompra de títulos atingiram 300 bilhões de dólares e foram utilizados para financiar o ajustamento dos setores bancário, automotivo e diversas outras atividades econômicas que tinham se tornado inadimplentes por força da crise.
A data é marcante por ser indicação prática de que se formou uma sólida convicção de que o pior da crise já terá passado – teríamo s deixado para trás o “fundo do poço” do jargão atual. Não que a própria crise tenha se dissipado ou que haja data certa para o início da fase do ciclo de recuperação econômica; mas significa que há convicção de que deixamos a espiral de queda do produto e do emprego para trás e que, após um período que pode até ser relativamente longo, de estagnação da atividade econômica, a economia americana eventualmente retomará seu curso de crescimento.
Infelizmente, todas as expectativas convergem para outro consenso: o de que a retomada do emprego só virá após a retomada da economia. O que ainda pode tomar muito tempo.
Essa percepção de que já se pode ver a tão citada “luz no fim do túnel” da crise americana é importante porque se soma às evidências de que a recuperação da demanda chinesa é sólida e se sustenta, ainda que em meio a forte deflação. Prova disso é que o índice de preços ao consumidor está negativo em 1,8% no acumulado de 12 meses e os preços ao produtor – índice similar ao nosso, de preços por atacado – estão negativos em quase 12% no mesmo período.
Os fortes estímulos de natureza fiscal e monetária implementados pelo governo chinês retiraram a economia do estado de inação em que caíra no último trimestre de 2008 e há fortes indícios de recuperação econômica este ano. Veja-se o comportamento das vendas no varejo, que cresceram 15% no período janeiro-julho, a expansão da produção industrial em 7,5% e o crescimento dos investimentos em 32% no mesmo período.
Também começam a diminuir as preocupações, manifestadas por diversos analistas sobre o possível rompimento de uma “bolha chinesa” no mercado imobiliário ou de ações, em decorrência da forte expansão do crédito no primeiro semestre do ano. Os dados de julho mostram desaceleração do crescimento do crédito, o que desanuvia um pouco esses temores.
Ainda com relação à China, as preocupações remanescentes dizem respeito à retomada do seu comércio exterior, atingido fortemente pela crise e pelas incertezas da economia observadas no último trimestre do ano passado. Caíram fortemente tanto as exportações como as importações, tradicionais motores do crescimento chinês.
Com as medidas de estímulo ao mercado interno, contudo, há consenso entre os analistas de que é perfeitamente factível um crescimento da ordem de 8% neste ano, inferior à média histórica do país mas imprescindível para puxar a recuperação do resto do mundo.
Essas considerações reforçam o sentimento dos analistas locais de que a economia brasileira pode estar a caminho de encerrar a fase mais aguda da recessão, no último trimestre deste ano, ensaiando a recuperação já no primeiro semestre de 2010. Se assim for, seria desejável que nessa ocasião se comece a pensar na “estratégia de saída” dos estímulos anticrise que colocamos em prática por aqui.
A maior dificuldade nisso decorre do fato de que nossos estímulos anticíclicos consistiram em aumentos permanentes de despesas. Países mais sensatos – como EUA, França e Noruega, entre os desenvolvidos, e Chile, entre os emergentes – promoveram aumentos temporários de despesas, mais fáceis de reverter do que os nossos estímulos permanentes – peculiar herança que a atual administração deixa para a próxima.
Fonte: DComercio