A problemática enfrentada pelos substitutos tributários do ICMS
Diante da incerteza gerada por vários atos, muitas vezes de legalidade duvidosa, emanados pelo Fisco, relevante trazer a mente uma reflexão específica, tendo em vista as várias mudanças jurisprudenciais tributárias ocorridas e que refletiram de forma latente na atividade de muitos contribuintes.
Fundamental alertar que os fatos a serem apresentados, num primeiro momento, podem dar ensejo a uma discussão eminentemente teórica, ocorre que neste singelo artigo nossa pretensão é a verificação das possibilidades práticas sustentáveis, deixando para momento posterior questões mais conceituais.
Dando início, necessária é a indicação de um exemplo singelo e de fácil compreensão, porém com grande relevância:
Determinada empresa, fabricante de um produto específico, vende estes para alguns comerciantes, sendo que sucessivamente os comerciantes vendem aos consumidores finais os produtos em questão.
Tal operação, independentemente de outros tributos, encontra-se sob o escopo do ICMS, mais especificamente, na sua espécie de substituição tributária subseqüente. No estado de São Paulo sua classificação se dá com a seguinte sigla ICMS-ST.
Assim, de forma extremamente resumida, deverá o fabricante dos bens, reter todo o ICMS das operações da cadeia, sendo este calculado por estimativa por ter como base de cálculo um valor futuro estimado de venda das mercadorias, sendo tal valor determinado pelo fisco estadual competente. Tal fenômeno é denominado “Fato Gerador Presumido”.
Ocorre que em muitos casos ocorreram dúvidas por parte dos contribuintes no tocante a este procedimento, eis que o valor de venda de determinadas mercadorias poderia ser feita abaixo do valor pré-determinado pelo fisco.
Desta forma, milhares de contribuintes, substituídos tributários, levantaram a possibilidade de terem direito a restituição dos recolhimentos já efetuados de ICMS, quando a base de cálculo real fosse inferior à presumida. De forma genérica eram utilizados como fundamentos legais os artigos 150 da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 87/96 e o Código Tributário Nacional.
Porém, durante tais disputas judiciais ocorreu o seguinte fato, houve o julgamento da ADI nº 1851-4/AL, que questionou a constitucionalidade do Convênio nº 13/1997, que impossibilita a compensação do ICMS devido por substituição tributária, podendo o estado ficar com o imposto pago indevidamente. Essencial indicar que o dispositivo posto em dúvida na ADI nº 1851-4/AL era a cláusula 2º do Convênio já citado. Sendo que, em 08 de maio de 2002 tal cláusula foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal. Consequentemente a pretensão dos contribuintes em serem ressarcidos dos valores pagos “indevidamente”, pela utilização de base de cálculo distinta da real, foi por água a baixo.
Fixando-se, portanto, o entendimento de que somente seriam passíveis de restituição os valores de ICMS-ST pagos pelos fabricantes quando o “fato gerador presumido” não ocorresse.
Após esta pequena introdução, dá-se início a questão em foco neste artigo.
Entre a propositura do Mandado de Segurança com pedido liminar, pelas concessionárias de veículos, e o julgamento da ADI nº 1851-4/AL, acima indicada, deu-se um lapso temporal considerável, onde foram proferidas várias liminares e sentenças de 1º grau.
Logo em seguida ao julgamento da ADI nº 1851-4/AL, por óbvio, as liminares foram revistas, assim como as sentenças que foram reformadas nos respectivos Tribunais.
Porém em momento posterior os fabricantes, substitutos tributários, começaram a receber Autos de Infração, ou outros documentos equivalentes, que continham a fundamentação de que eles não teriam repassado os valores de ICMS referentes às operações indicadas a pouco para o fisco estadual competente.
Exatamente tal situação merece toda nossa atenção. Os fabricantes foram notificados judicialmente no sentido de restituírem os valores de ICMS correspondentes às operações compreendidas nos mandados de segurança impetrados pelos substituídos tributários!?, tal situação, por mais estranha que possa aparentar ocorreu, ficando os substitutos tributários em geral, sem qualquer opção, a não ser cumprir as ordens judiciais emanadas.
Em razão disso vem a mente a seguinte pergunta, se uma determinação judicial (não importando esta ser uma liminar ou uma sentença) foi explicita no sentido de determinar que o fabricante de determinado bem restituísse a diferença de valores das operações de ICMS, pela venda em menor valor do que o pré-determinado pelo fisco estadual, como poderiam em seguida, serem lavrados autos de infração endereçados às fabricantes dos bens sob o argumento de não pagamento do valor de ICMS correto, possuindo estas responsabilidade plena, em razão destas serem as substitutas tributárias do imposto em questão.
Os fabricantes cumpriram uma determinação judicial! Porque então pela simples obediência a tal ordem, regularmente emanada, estariam os fabricantes autuados pelos fiscos estaduais?
Muitos processos administrativos já foram julgados, porém em sua grande maioria foram negativos aos contribuintes. Sendo utilizado como fundamento, tanto em primeiro como em segundo grau, o descumprimento puro e simples da legislação tributária estadual.
É raro encontrarmos decisões administrativas que analisem, ainda que superficialmente, a questão da ordem judicial.
Mesmo respeitando as decisões administrativas que não levaram em consideração sentenças, bem como decisões interlocutórias fundamentais, como a concessão de liminares ou ainda tutelas antecipadas, resta evidente que tal omissão não pode prevalecer sob nenhuma ótica.
As ordens judiciais, independentemente de sua forma possuem força obrigatória, razão pela qual a escusa no cumprimento destas é penalizada nos termos da legislação vigente, sendo admitido somente seu descumprimento no caso de suspensão dos respectivos efeitos.
Acerca dos efeitos da sentença, bem ensina o Eminente Professor Humberto Theodoro Júnior quando pondera que “O 'comando' da sentença ao compor a lide, 'traduz a vontade da lei, o imperativo da lei…”(1)
Logo em seguida na fase contenciosa administrativa ocorreram sucessivas proposituras de execuções fiscais estaduais em face dos substitutos tributários, que não se importaram em levar em consideração as peculiaridades de tais casos, permanecendo o fisco estadual com sua incessante forme na obtenção de recursos financeiros.
Pensamos que tal atitude por parte dos fiscos estaduais é totalmente descabida, não contendo o mínimo de respaldo jurídico necessário para sua fundamentação.
Primeiramente, faz-se necessária a exposição, ainda que breve, do princípio da segurança jurídica. Entendemos que tal é o mais importante de todos os demais princípios, por garantir a base sólida que assegura os direitos e garantias constitucionais e individuais.
Corroborando com tal opinião, a Eminente doutrinadora Cleide Previlatti Cais ensina que “A transgressão ao princípio da segurança jurídica abala o Estado e, nas relações entre Fazenda Pública e o contribuinte, pode acarretar graves conseqüências em relação ao seguimento do ramo de atividade do particular…”(2)
Assim, no momento em que substituta tributária se viu compelida a cumprir determinação judicial expressa, não importando ser esta uma liminar ou uma sentença, resta o questionamento se uma futura autuação não ficaria prejudicada, exatamente pela ausência de outra atitude a ser tomada naquele momento pela obrigada.
Caso a fabricante em questão não cumprisse a ordem judicial, possivelmente seria caracterizada tal atitude como sendo crime de desobediência, capitulado no artigo 330 do Código Penal.
Porém, como foi cumprida a ordem judicial “in totum” a fabricante foi autuada pelo fisco estadual respectivo. Assim, é possível concluir que não existia solução para a problemática em tela. De qualquer maneira o fabricante do bem seria penalizado, ou pelo aspecto tributário, ou ainda pelo aspecto penal.
Exatamente em razão disso se faz necessária atenção ao princípio da segurança jurídica.
Tendo em vista toda a problemática apresentada questiona-se acerca de posicionamentos jurisprudenciais, ainda que em pequena monta, sobre o assunto. Diante de qual indagação é fundamental ter em mente a jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, que de forma brilhante entendeu não ser o fabricante responsável pelo pagamento do tributo no caso em específico, devendo ser declaradas extintas as execuções fiscais propostas, como exemplos pode-se citar apelação e reexame necessário nº 70017906454, julgado em 20/12/2006, assim como a apelação cível nº 70012712998, julgado em 23/11/2005.
Assim sendo, apesar desta análise ser ínfima, se comparada a todos os pontos relevantes que mereceriam atenção, entendemos que os contribuintes prejudicados pelas lavraturas de tais Autos de Infração devem procurar se defender tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial, visando única e exclusivamente impedir a perpetuação destes abusos, e outros mais, cometidos pelo fisco estadual, que se aproveita covardemente de situações específicas para aumentar sua arrecadação.
Notas
(1) Curso de Direito Processual Civil, 29º ed., vol. I, Forense, p. 504
(2) O Processo Tributário, 6º ed., Revista dos Tribunais, p. 241/242
* Fábio Messiano Pellegrini, Advogado. Coordenador Tributário do escritório Pereira de Carvalho e Monteiro Galvão Advogados.