Reforma tributária: extrafiscalidade e federalismo
Todo tributo possui, em alguma medida, caráter extrafiscal, produzindo externalidades na economia. Essa característica é marcante em tributos como o IPI, que onera bens supérfluos criando desincentivo econômico ao seu consumo; o IOF que serve como instrumento de política monetária e, também, nos impostos incidentes sobre as importações e exportações (II e IE), que servem ao propósito de regular a oferta de bens no mercado interno e até mesmo proteger a indústria nacional.
Esses tributos, todos de competência da União Federal, são denominados “regulatórios” e se encontram previstos no artigo 153, incisos I, II, IV e V da Constituição Federal, que expressamente os exclui da proteção outorgada pelo princípio da anterioridade, podendo ser alterados por ato do Poder Executivo a qualquer momento. São verdadeiros instrumentos de intervenção do Estado na economia.
Mas, ao contrário do que muitos supõem, a extrafiscalidade é característica presente em qualquer tributo, mesmo naqueles que não são classificados como tributos regulatórios. Alterações na alíquota e nas faixas de isenção do imposto de renda, apenas para citar um exemplo, podem causar efeitos significativos na distribuição de riqueza, estimular ou desestimular a atividade econômica e assim por diante.
Nesse sentido, percebe-se que as propostas apresentadas até o momento pecam por duas razões fundamentais. A primeira por ignorar a dimensão extrafiscal da tributação ou reduzir a importância de seu debate, cuidando primordialmente do aspecto da simplificação do complexo sistema tributário hoje existente. A segunda por ignorar também as externalidades produzidas para a sociedade como um todo e para os entes federativos, que sofrerão imensa redução em sua autonomia e capacidade de formulação de políticas públicas locais.
Qualquer que seja o modelo de reforma adotado, seria recomendável levar em conta as áreas e atividades onde o investimento e participação do setor privado deveriam, como política do Estado, usufruir de incentivos tributários, sem esquecer jamais da dimensão extrafiscal da tributação como mecanismo de redução das desigualdades e de crescimento econômico.
Não se pode relegar a segundo plano políticas públicas de longo prazo: educação, saúde, segurança, meio ambiente e cultura, vinculadas a planos diretores decenais (além do plano plurianual, LDO e anual) claros e transparentes para toda a sociedade. Não se deve, também, perder a oportunidade de fazer esses ajustes, nem conviver com um modelo movediço e provisório que adie indefinidamente soluções para problemas urgentes.
Na dimensão da relação entre extrafiscalidade e autonomia dos entes federativos, existem vários pontos essenciais da Reforma e dificílimos desafios – já veteranos – que a ameaçam, na forma como hoje está concebida. Fundamental, pois, resgatar a essência do federalismo cooperativo, tão aviltado pela guerra fiscal, que fez nascer o brutal e insustentável modelo hoje vigente: o do federalismo predatório, mas sem que isso signifique suprimir a capacidade dos entes federativos de formular suas próprias políticas públicas.
Também é necessário repensar e resgatar o perfil e a dimensão jurídico-constitucional dos entes municipais e estaduais. Um modelo único para realidades muito heterogêneas: raiz de inúmeras distorções, desperdícios, conflitos e escândalos até os dias de hoje.
Relegar a segundo plano a dimensão extrafiscal das propostas de reforma tributária hoje existentes e suprimir de forma absoluta a possibilidade de concessão de incentivos fiscais é ignorar, de um lado, a importância dos tributos como instrumento de intervenção do Estado na economia e, de outro, a evidente repercussão deste modelo na relação entre os entes federativos, que perderão autonomia em favor de um modelo mais centralizado na União Federal.
Em síntese, assim como a União Federal intervém na economia não apenas através dos tributos regulatórios já referidos neste artigo, mas de todos aqueles que recaem no âmbito de sua competência, não se deve nem se pode suprimir a capacidade de os entes federativos fazerem o mesmo, utilizando os tributos que lhes cabem na ordem constitucional vigente para produzir externalidades benéficas em âmbito local.
Suprimir autonomia, vedar a concessão de benefícios e cassar a capacidade de formulação de políticas públicas dos entes federativos, para as quais a autonomia tributária é absolutamente essencial, não parece ser o melhor caminho para se pôr fim aos problemas hoje existentes.
José Andrés Lopes da Costa – sócio do escritório Chediak Advogados