27/04/2009
Um caso de poluição global
Muitas pessoas ainda se perguntam como foi possível sustentar durante tanto tempo as práticas imorais e enganosas que tornaram inevitável a atual crise.
Nas crises que abalaram o processo produtivo real, pelo menos nesses últimos duzentos anos de História, nunca faltou a contribuição importante do sistema financeiro. E isso aconteceu toda vez que ele deixou de auxiliar o sistema de produção e adquiriu vida própria, passando mesmo a dominá-lo em determinados períodos, como se verificou nos últimos dez anos, praticamente.
Muitas pessoas ainda se perguntam como foi possível sustentar durante tanto tempo as práticas imorais e enganosas que tornaram inevitável a atual crise. Parte dessa explicação reside na capacidade do sistema financeiro de disseminar a crença na inutilidade de qualquer tentativa de controle dos “mercados”.
O fato é que essa ideologia dominou não apenas o conhecimento de economistas que se supõem “cientistas”, como influenciou a totalidade dos “analistas de mercado” e importantes segmentos da auto intitulada “mídia especializada”. Com esse apoio foi possível que inovações financeiras produzidas pela inteligência de “econofísicos” poluíssem os mais importantes mercados, sem que os responsáveis pelas análises de risco (os bancos centrais, as agências de risco e as auditorias privadas) tomassem consciência do que elas representavam.
Alinhei algumas explicações para o fato de não se fiscalizarem as operações que levaram à interrupção do circuito econômico em todo o mundo, com tantas consequências indesejadas:
1 Os bancos centrais (principalmente o FED) nunca entenderam o que se passava;
2 As “agências de risco” viviam dos estipêndios pagos pelos agentes do mercado. Estima-se que metade de sua remuneração era produzida pela “avaliação de riscos”, como a securitização das hipotecas e obrigações colaterais. Logo, precisavam agradar aos clientes dando boa classificação a seus papéis;
3 A criação de um sistema perverso de remuneração dos agentes mediante bônus recebidos “na frente” e sem responsabilidade pelo resultado final da operação. Há estimativas de que tais bônus totalizaram algo como 2 trilhões de dólares em todo o mercado, entre 2003 e 2008.
4 A mitologia de que os bancos não corriam nenhum risco porque não retinham empréstimos em sua carteira. Eles os distribuíam pelo mercado com as operações de securitização. Isso só em parte era verdade porque, de um lado, eles retinham os papéis de maior retorno (e portanto de maior risco) para aumentar os “bônus” e, de outro, alguns instrumentos que podiam ser mantidos fora do balanço, liberando reservas para outras aplicações;
5 No frouxo regime de controle existente os bancos podiam fazer mais: manter fora de seus balanços “riscos” feitos por “veículos especiais de investimentos (SIV), sem ter o correspondente capital requerido para sustentá-los;
6 A acumulação desses truques contábeis, aliada à irresponsabilidade dos agentes e à ausência de regulação do capital para controlar a alavancagem, permitiram produzir instituições gigantes cujo controle interno era frouxo e cuja avaliação externa era impossível.
A proliferação de inovações financeiras sem controle mostra que a estabilidade do sistema transcende de muito a necessidade de retorno às velhas exigências de capital (alavancagem) e de liquidez (casamento adequado de Ativo e Passivo). Precisamos de regulação enérgica e inteligente que, sem eliminar as “inovações” passe a controlar os seus próprios riscos e leve em conta a possibilidade dos riscos sistêmicos.
Delfim Netto é professor emérito da FEA/USP, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura
e do Planejamento. contatodelfimnetto@ terra.com.br
Fonte: Diário do Comércio
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