Maioria do Senado descarta imposto para custear saúde
Senadores querem mais gastos, mas descartam nova CPMF, revela enquete. Só 9 dos 81 senadores apoiam contribuição, apesar da pressão dos governadores por mais recursos para o setor.
A maioria dos senadores defende o aumento dos gastos do governo federal com a saúde pública, mas descarta a criação de um novo imposto para financiar o setor.
É exatamente o contrário do que deseja a presidente Dilma Rousseff, que nas últimas semanas afirmou que não aceitará aumento de despesas se o Congresso não indicar uma nova fonte de recursos para a saúde.
Em enquete concluída na semana passada, 43 dos 81 senadores, ou 53% do total, disseram à Folha que apoiam uma proposta que poderá obrigar o governo federal a aplicar no sistema de saúde 10% de suas receitas.
A Constituição determina que os gastos do governo federal com saúde acompanhem a expansão da economia e sejam reajustados todo ano de acordo com a variação do PIB (Produto Interno Bruto), mas não estabelece nenhum tipo de vinculação das suas receitas com o setor.
A ideia foi rejeitada no passado pela Câmara dos Deputados, mas seus defensores querem retomá-la no Senado, aproveitando a discussão de um projeto de lei que regulamenta os gastos dos três níveis de governo com saúde, aprovado na última quarta-feira pela Câmara.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou que vai trabalhar para aprovar o projeto recebido da Câmara até o fim do ano, mas descartou a retomada da vinculação prevista na proposta original. “É inexequível, uma maluquice”, disse o senador.
Estimativas sugerem que a aprovação da proposta aumentaria os gastos do governo federal em R$ 30 bilhões, o equivalente a 38% do orçamento do Ministério da Saúde para este ano.
A retomada da proposta de vinculação conta com a simpatia de integrantes da própria base governista. “Sou favorável porque resolve o problema de orçamento”, afirmou o senador Walter Pinheiro (PT-BA). Na semana passada, os deputados rejeitaram a criação de um novo imposto sobre movimentações financeiras para o setor, a CSS (Contribuição Social para a Saúde), que funcionaria como a antiga CPMF, extinta em 2007.
Os defensores do imposto querem ressuscitá-lo no Senado, mas a maioria dos senadores é contra. Na enquete feita pela Folha, 51 dos 81 senadores, ou 63%, descartaram categoricamente a ideia. “Não há clima num ambiente como o nosso, de crescente arrecadação extraordinária, para falarmos em novo imposto”, afirmou o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Apenas 9 senadores, ou 11%, disseram ser favoráveis à proposta. “Eu sei que ninguém quer defender um novo imposto, porque isso expõe muito os senadores, mas eu pergunto como vamos sustentar a saúde sem os recursos?”, disse o senador Anibal Diniz (PT-AC). Muitos senadores foram eleitos com o apoio dos atuais governadores de seus Estados, que têm pressionado o Congresso e o governo federal a criar novas fontes de recursos para financiar seus gastos com o sistema de saúde pública.
Mas a maioria dos congressistas não quer se comprometer com a criação de um novo imposto por temer prejuízos políticos, a poucos meses do início da campanha para as eleições municipais de 2012.
ANÁLISE CONGRESSO
Senado é amistoso com presidente, mas teme desgaste político
Dilma tem maioria para aprovar qualquer coisa no Senado, mas reação de eleitores preocupa seus aliados. Volta do imposto do cheque ajudaria oposição a grudar no governo a imagem de um leão faminto atrás do contribuinte.
O Senado com o qual Dilma Rousseff convive é muito mais amigável do que aquele com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou. Mesmo assim, nada garante que a presidente conseguirá aquilo que seu mentor e predecessor perdeu ali.
Lula enfrentou no Senado alguns dos piores momentos de seu governo. Foi alvo até de ameaças de agressão física em discursos na tribuna e acabou traído na votação que derrubou a CPMF, em 2007.
Foram tantos percalços que Lula decidiu trabalhar para eleger um Senado mais amistoso para Dilma. Conseguiu, ajudando a derrotar senadores incômodos em seu governo, como os tucanos Arthur Virgílio e Tasso Jereissati e os demistas Heráclito Fortes e Marco Maciel.
O resultado dessa manobra está no painel da casa. Dilma tem hoje 55 votos na sua base de apoio, sem contar os sete senadores do PR, que se dizem independentes, mas não veem a hora de voltar para o lado do governo.
Ou seja, a presidente tem, teoricamente, maioria folgada para aprovar até uma emenda constitucional no Senado, onde são necessários pelo menos 49 dos 81 votos.
Só que essa maioria ainda não deu sinais de estar disposta a pagar o preço do desgaste político de ressuscitar a CPMF, recheando os cofres da presidente Dilma com recursos que podem alcançar os R$ 40 bilhões anuais.
O antigo imposto do cheque virou uma ideia amaldiçoada, bandeira fácil para a oposição grudar no governo a imagem de um leão faminto atrás da graninha do contribuinte. Em véspera de ano eleitoral, então, tudo fica mais potencializado.
O governo Dilma tentará levantar o discurso do bem maior em troca da garfada no bolso dos brasileiros: a necessidade de melhorar o precário setor da saúde pública, algo que seria possível apenas com a presença de uma nova fonte de recursos.
Por enquanto, porém, os senadores se mostram mais sensíveis a outro tipo de discurso, mais eleitoral. Eles preferem elevar os gastos da União com a saúde pública, sem a contrapartida de criar impostos para bancar a conta.
Conta que, a princípio, não fecha. O risco é tudo ficar como está. O Congresso fingir que aprova mais recursos para a saúde. O governo sem cumprir por alegar falta de verba. E o brasileiro seguir seu destino de sofrer nas filas de atendimento dos hospitais públicos.
Tudo indica que o destino da regulamentação da emenda 29, que define os gastos com a área da saúde, será dormir nas gavetas do Senado até que o clima político se torne mais favorável.
* Folha de S.Paulo