Empresas antecipam demanda e criam ‘banco de reservas’
Ainda que as companhias tenham aumentado os investimentos para desenvolver talentos internamente, às vezes é preciso olhar para fora e, assim, oxigenar as operações e agregar mais valor aos negócios – principalmente em segmentos com maior escassez de profissionais altamente qualificados.
Contratações externas sempre foram rotina nas companhias nesses casos, mas algumas têm ido além. Departamentos de RH que atuam de forma mais proativa, ou seja, que antecipam as demandas de contratações das empresas, têm criado um banco de currículos com talentos de fora, resultado de sondagens nos concorrentes e abordagem de possíveis candidatos a vagas que nem sequer foram abertas. Esse “estoque” pode ser alimentado, inclusive, com profissionais de outros países, tendo em vista que as redes sociais são fortes ferramentas nessa busca.
A Netshoes, por exemplo, criou no final do ano passado um banco externo com 150 profissionais, a princípio com foco nas áreas de marketing e tecnologia da informação. Os talentos de TI foram sondados até no Vale do Silício, na Califórnia – o maior polo tecnológico do mundo. “Com o crescimento da companhia nos últimos dois anos, sentimos necessidade de preparar lideranças que tenham uma visão mais ampla do negócio. Começamos, portanto, a sondar pessoas estratégicas para esse novo momento”, afirma Luciana Machado, gerente de recursos humanos da varejista de artigos esportivos.
Por não se tratar de uma entrevista formal de emprego, executivos são mais sinceros quanto aos objetivos de carreira.
Luciana destaca que o número de funcionários da Netshoes passou de 250 para cerca de 2 mil entre os anos de 2010 e 2012. “No nosso banco temos currículos de engenheiros de software a gestores de projetos de inovação. Não nos atemos a nível hierárquico no mapeamento”, diz. Ela explica que a abordagem precisa ser feita de forma bastante sigilosa e despretensiosa. Como o profissional já está trabalhando em outra empresa, o mote do primeiro contato é fortalecer networking. “Essas pessoas não estão procurando emprego. Não adianta, portanto, oferecer vagas, mesmo porque elas ainda nem foram abertas”, pondera a executiva. Segundo ela, o que é oferecido é uma “opção de carreira”.
Para chegar aos profissionais desejados, a Netshoes procura perfis nas redes sociais, com destaque para o LinkedIn, fóruns de discussões on-line e prêmios concedidos por associações de mercado. “São pessoas que estão se destacando”, afirma. O primeiro contato é feito pela internet, com ajuda das redes sociais. Na segunda etapa é realizada uma entrevista pelo Skype. Caso o profissional goste da empresa e queira participar de um processo, o RH apresenta alguns desafios que a companhia tem enfrentado e aplica alguns “jogos de valores” para entender se o possível candidato está alinhado à cultura da empresa.
“Se há um encantamento mútuo, o potencial candidato será convidado a participar de entrevistas presenciais quando abrir uma vaga”, explica Luciana. No momento, ela está conduzindo um processo com 60 profissionais de mercado já “filtrados” pelo banco de talentos, para preencher cinco vagas. Os contratados já passaram por todas as etapas e estão seguindo para a fase de contato pessoal. “São pessoas que já conhecem mais o valor da empresa e de quem já conhecemos as visões e os objetivos de carreira”, diz.
Para Luciana, a maior vantagem do banco de talentos externos é a troca de experiência, que passa a ser mais transparente. “O executivo se sente mais atraído a participar, pois não há obrigações ou compromissos. Ele pode ser mais sincero quanto aos seus objetivos. Não é uma entrevista de emprego, então a conversa flui melhor”, acredita.
Com 54 mil funcionários de áreas bem diferentes, que englobam desde análise de riscos a marketing, o banco Santander também adotou, recentemente, a estratégia de criar um “estoque” de talentos externos – tanto para vagas juniores, que serão desenvolvidas internamente no futuro, quanto para cargos mais altos e estratégicos, que demandam especialização. “A prioridade é olhar para dentro. Mas, quando não é possível, mapeamos no mercado”, afirma Ana Buchaim, superintendente de RH da instituição.
O banco de currículos é realizado com a ajuda de uma consultoria. “Chegamos a entrevistar futuros candidatos, mesmo sem compromisso de contratação. Quando ele é muito bom, até remodelamos alguma vaga para que o recrutamento possa acontecer”, diz.
Sem revelar quantos currículos existem em ‘stand by’, Ana ressalta que esse sistema alimenta futuras vagas em segmentos muito específicos como fusões e aquisições, gestão de riscos, ‘corporate banking’ e ‘capital markets’ – que sofrem com a escassez de profissionais qualificados. “Observamos quais são as empresas que têm formado esses profissionais e em quais universidades eles estudaram. Assim, abordamos os possíveis candidatos direto na fonte”, diz.
Assim como acontece na Netshoes, no Santander o primeiro contato tem as características de uma conversa de networking. Como a vaga ainda não existe, o objetivo é apresentar o negócio e os valores da companhia. “Assim, é possível desenvolver uma relação mais transparente e conhecer melhor o profissional e suas expectativas de desenvolvimento”, afirma Ana.
Sem o tema “contratação”, o encontro se torna um bate-papo sobre carreira. “O candidato não precisa me convencer de que ele é a melhor opção e vice-versa. Tiramos isso da mesa e a conversa fica mais sincera. As contratações feitas dessa forma foram excelentes”, garante.
Currículos são reaproveitados
Além de abordar profissionais no mercado, reaproveitar currículos de processos seletivos que se encerraram é outra estratégia usada pelas empresas para montar um banco de futuros talentos. Os candidatos que se destacam em testes e entrevistas, mas não são selecionados, ficam cadastrados como opção para futuras vagas.
Esse é o caso da Indra, multinacional espanhola de TI. No último programa de trainee, a companhia recebeu mais de quatro mil inscrições, mas só vai contratar 130 jovens. “Acabamos de implementar um banco de talentos externos e já sentimos resultados importantes. Nossa meta é recrutar mil profissionais em 2013”, afirma Adriana Zanni, diretora de RH da Indra no Brasil.
A empresa tem currículos para posições de todos os níveis tanto no operacional quanto no gerencial. “Sondamos possíveis candidatos também em outras indústrias”, revela. Como o segmento de TI é bastante dinâmico, demandando atualização constante dos profissionais, trazer pessoal de fora é importante para disseminar ferramentas e metodologias novas. Para isso, profissionais de outras filiais da empresa também fazem parte desse banco de dados. “Trabalhamos com uma equipe de hunting em escala global”, diz Adriana.
Outros segmentos afetados pela escassez de talentos e que têm recorrido a esse modelo são telecomunicações, aviação, energia, agronegócio e bens de consumo. Segundo Paulo Weinberger, consultor da 2Get, a companhia de recrutamento tem sido demandada por empresas desses setores para o desenvolvimento de estoques de currículos para futuras vagas. “O objetivo é preencher posições estratégicas.”
O mapeamento de talentos é feito pela sondagem de profissionais de destaque em concorrentes, um processo que pode levar até seis meses. “Não ligamos para o executivo para oferecer vagas, pois elas ainda não existem, mas para manter essas pessoas no radar”, explica.
O cadastro de talentos, contudo, precisa ser atualizado constantemente, pois muita coisa pode acontecer entre a sondagem, a entrevista e a contratação. “A disposição de aceitar a vaga no futuro pode mudar. É preciso fazer contato com os candidatos com frequência”, pondera Marcelo Cuellar, headhunter da Michael Page.
Já a atualização das competências profissionais, como cursos realizados, e a mudanças de empresa, é feita pelos próprios candidato. Entretanto, nada substitui o contato pessoal. “Como os perfis são públicos nos sites, qualquer empresa pode sondar o mesmo profissional. Manter um relacionamento mais próximo é fundamental para que a estratégia funcione”, ressalta Clara Linhares, professora da Fundação Dom Cabral.
O apelo do networking é positivo tanto para o profissional quanto para a empresa. Isso porque essa é uma abordagem considerada menos invasiva, o que atrai o futuro candidato. “Para ele, manter um relacionamento com o mercado também é estratégico e desejável”, afirma Irene Azevedo, diretora de negócios da LHH/DBM.
* Valor Econômico