Ideias pontuais para uma reforma tributária
Assim como nas passagens de ano as esperanças se renovam, as eleições e o início de mandatos são acompanhados de promessas de reformas. Talvez nenhuma tão desejada quanto a tributária. E da mesma maneira como promessas individuais exageradas acabam fadadas à inexecução, também a reforma tributária não se realiza. Não há uma ideia única de reforma e os interesses são conflituosos. Contudo, mesmo que uma grande e radical reforma não ocorra, a paralisação é inaceitável. Há medidas mais modestas, capazes de combater deficiências graves, reduzir a complexidade do sistema e aumentar a segurança. Sabe-se que a decisão de investir não leva em consideração apenas gastos nominais. Os riscos compõem um custo oculto. Minorá-los tornará o Brasil mais atrativo a investimentos. Nesse sentido, este texto sugere modificações pontuais. Uma primeira sugestão é a redução dos prazos de decadência para cobrança de tributos. Eles eram adequados no contexto histórico de sua criação, quando era justificável um longo período para que a administração tivesse condições de fiscalizar cada contribuinte. O momento atual é diferente: a maioria dos tributos está sob os regimes de lançamento por homologação ou de ofício e a administração tem ou pode ter acesso eletrônico imediato às informações sobre operações. De outro lado, um longo prazo tem gerado insegurança. No momento da realização do fato gerador a compreensão que se tem da norma é uma, da qual decorre certo montante de tributo. Durante o curso do prazo de decadência, a administração ou divulga entendimento da norma diverso do que os contribuintes tinham, ou modifica seu próprio entendimento, levando a aumento do tributo, exigível com multa e juros. É recomendável a redução das multas. Os percentuais elevados tinham explicação histórica quando criados É recomendável a redução das multas. Os percentuais elevados igualmente tinham explicação no momento histórico de sua criação. A inflação era alta, os índices de correção não eram confiáveis (até em razão de expurgos inflacionários), os juros no mercado financeiro eram tão elevados que havia vantagem em atrasar o recolhimento dos tributos. O cenário atual é bem distinto. Nele, as multas passaram a ter outros papéis, além do próprio de dissuadir o contribuinte de não pagar seus débitos. A penalidade virou fonte de receitas, além de ser utilizada como isca para estimular o ingresso em periódicos programas especiais de parcelamento, que preveem a redução ou exclusão das multas. De tal desvirtuamento resulta que os devedores são premiados, o correto cumprimento das normas é desestimulado e certas dívidas fiscais, mesmo duvidosas, deixam de ser discutidas, pois são de pagamento inviável sem o cancelamento da multa. Bem se vê que as altas penalidades, assim como os constantes parcelamentos especiais, provocam distorções graves. Outra sugestão é a unificação das normas para tributos semelhantes. Certo que o ideal seria a substituição de diversos tributos que incidem sobre o consumo (ICMS, ISS, PIS, Cofins) por um só. Contudo, são conhecidas as dificuldades para tanto. Uma medida mais modesta, mas que ainda assim teria certa eficácia, seria a unificação de normas para tributos semelhantes. Assim, IRPJ e CSL teriam o mesmo corpo de normas, eliminando-se as diferenças de tratamento e dúvidas que surgem quanto à base de cálculo (calibrando-se a alíquota para evitar eventual aumento da carga fiscal). Por exemplo, não haveria mais discussão quanto à aplicação ou não à CSL dos tratados contra a dupla tributação. A contribuição ao PIS e a Cofins também passariam a ter um só corpo normativo. A aprovação de lei complementar sobre processo administrativo fiscal traria vantagens. Hoje, a União, cada Estado-membro e cada município têm suas próprias regras de processo administrativo. Não há harmonia quanto a prazos e recursos. Uma lei complementar, com regras gerais, solucionaria isso. Há projeto de lei nesse sentido no Congresso Nacional. Impõe-se sua discussão aprofundada para aperfeiçoá-lo (p. ex., não há sentido em municípios pequenos terem um órgão colegiado e paritário de segunda instância). Tema que propicia grande insegurança e que merece ser enfrentado é o do planejamento tributário, pois hoje são desconhecidos os limites do direito do contribuinte a buscar a economia fiscal. Advogados e consultores não têm condições de orientar seus clientes quanto à maior ou menor probabilidade de questionamento de certas operações pela administração e de qual poderia ser o posicionamento dos tribunais, administrativos ou judiciais. Há de se reconhecer que mesmo tribunais administrativos, de elevado nível técnico e com inúmeros precedentes sobre o tema, não tiveram sucesso na fixação de parâmetros objetivos aos limites do planejamento fiscal. Mesmo ante a argumentos sérios e consistentes, o contribuinte se vê ameaçado pelos riscos reais da aplicação de multas qualificadas e instauração de processo crime. Essa inaceitável insegurança deve ser afastada por quem tem o dever de traçar os limites ao planejamento tributário. O legislador. O ideal é esquecer o parágrafo único do artigo 116 do CTN, que não estabelece parâmetro algum, e resistir à tentação de tratar do tema por uma medida provisória, que pode ser usada como instrumento de autoritarismo. O tema requer ampla discussão no Congresso Nacional. Essas são algumas ideias, com o objetivo de alimentar o debate, para que surjam novas e factíveis propostas, rumo a um melhor sistema tributário. Jimir Doniak Jr. é advogado em São Paulo, sócio de Cais, Doniak, Rangel Ribeiro e Matta Nepomuceno Advogados, conselheiro do Carf Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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