Companhias mudam de ramo, pedem recuperação judicial e tentam sobreviver
O empresário Isael Pinto viveu momentos de pop star durante uma recente feira do setor de supermercados em São Paulo. Autoproclamado rei da classe C, Isael conheceu a realidade dos rincões do Brasil como funcionário da QRefresco – marca ultrapopular de sucos em pó. Em 1997, usou o conhecimento adquirido para fundar a General Brands, indústria cuja principal marca são os sucos Camp.
Por anos, contam fontes de mercado, Isael foi visto como parceiro de primeira hora de varejistas do interior nem sempre privilegiados pelas marcas líderes. A feira da Apas deste ano marcou o retorno do empresário ao evento. Executivos de varejistas como o Sonda e donos de atacarejos de pequeno e médio porte faziam questão de passar pelo estande da empresa para dar os parabéns.
A ausência em 2014 foi reflexo do pedido de recuperação judicial da General Brands, companhia que chegou a faturar R$ 200 milhões por ano. Devendo para fornecedores, parceiros e funcionários, a empresa não conseguia mais renegociar com os bancos. Isael admite que seu erro foi tentar virar “chique”. Em 2012, uniuse a uma empresa de polpas de fruta e água de coco. Não sabia que vender água de coco exigia uma sofisticação de transporte e armazenamento desnecessários para os sucos em pó e néctares da Camp. A situação piorou a ponto de a recuperação virar a única alternativa.
Isael não está sozinho no uso desta solução. Dados da Serasa Experian mostram que os pedidos de recuperação subiram mais de 12% no Brasil. Entre as empresas de grande porte – que faturam mais de R$ 300 milhões –, o salto foi ainda maior, de 18%, reflexo direto dos pedidos relacionados à Operação Lava Jato.
Apesar de ser uma saída válida, a recuperação judicial no Brasil ainda é vista, com certa razão, como uma forma de empresas na UTI financeira alongarem seu ciclo de vida. Segundo Fábio Vassel, sócio responsável pela área de reestruturação e situações especiais do banco Brasil Plural, as empresas demoram muito para pedir a ajuda da Justiça para reorganizar as contas. “Em mercados mais sofisticados, o pedido vem bem antes, justamente para evitar a erosão da confiança nos negócios.”
Apesar de o pedido de recuperação ter sido feito há um ano e aprovado no segundo semestre de 2014, a situação da General Brands não está definida. A companhia está na fase de negociação com credores – processo em que está sendo auxiliada pela KPMG. O trabalho de colocar o balanço em ordem, admite Isael, não é fácil. Logo que viu que a recuperação era inevitável, o empresário gastou a sola de sapato e foi pessoalmente conversar com vários parceiros de negócio. Chegava de cabeça baixa e admitia as dificuldades. “Então, fui a um dos meus fornecedores e contei que estava em recuperação. Eles viraram para mim e disseram: ‘Nós também. Há quatro anos.” A situação, diz Isael, não está fácil para ninguém.
Caso o acordo de credores seja aprovado, a General Brands terá de priorizar os funcionários. Às vésperas do pedido de recuperação, a companhia demitiu cerca de 130 funcionários%u037E pelo menos parte deles não recebeu as verbas rescisórias. Um dos dispensados, o repositor de mercadorias Diogo Ferreira da Costa, disse que ainda espera depósito de FGTS e multas. “Fui demitido logo depois de casar.”
Para quitar débitos, a General Brands diz estar saneando suas contas – só compra, por exemplo, insumos que podem pagar à vista. Do ponto de vista estratégico, aproveitará a crise para voltar às origens. Seus novos produtos são agora pensados para lares de orçamento apertado: o Camp de 5 litros e o iogurte em pó sabor pêssego, bem mais barato do que os similares expostos nos refrigeradores de lácteos.
Início e fim
O empresário Eduardo Nascimento, da Nascimento Turismo, está enfrentando agora o processo que Isael, da General Brands, passou em 2014. Também pediu recuperação judicial em um momento em que os problemas do negócio já eram muitos (e públicos). Antes de a empresa anunciar o pedido de recuperação, em maio, as queixas dos clientes já se avolumavam no site Reclame Aqui. Alguns pagaram seus pacotes e, ao chegarem no destino, descobriram que hotéis e traslados não haviam recebido o dinheiro.
Procurado pelo Estado, Eduardo Nascimento não quis responder perguntas sobre os problemas da companhia e ou sobre a recuperação judicial – que tem de ser aprovada por um juiz. Em resposta por email, disse ser responsável por “centenas de empregos diretos, milhares de passageiros e viajantes, parcerias nacionais e internacionais”. “Tudo isso (foi) construído sob os mais profundos critérios éticos. Minha família respira esta história”, frisou. Ele não comentou as razões para a venda da Nascimento à CVC, negociada em 2014, não ter sido fechada.
A demora em pedir ajuda apontada por especialistas pode fazer a recuperação judicial ser, no fim das contas, inócua. Foi o que ocorreu com a calçadista Via Uno, que teve a falência decretada em abril. Os débitos chegariam a cerca de R$ 400 milhões, mas o que ainda restou para ser vendido – maquinários e a marca – não deve angariar sequer R$ 20 milhões. Fontes dizem que o valor será suficiente só para pagar parte dos funcionários. Os demais credores ficarão sem nada.
No entanto, a Via Uno tem chances de seguir no mercado. Uma empresa do Rio Grande do Sul, a RR Shoes, fez uma proposta de R$ 6 milhões, em suaves parcelas, pela marca. No momento, aguarda a decisão da Justiça. Hoje, a companhia, que não pode ser legalmente responsabilizada pelas dívidas antigas, já toca as 35 lojas que ainda seguem abertas – nos tempos áureos, a empresa chegou a 200 unidades. Prova de que, às vezes, nem a falência pode ser capaz de matar uma marca.
Estadão