A inconstitucionalidade do fim da desoneração da folha de pagamento antes de 31/12/2017
É senso comum afirmar que a legislação tributária brasileira é alterada com patológica periodicidade, sobretudo na esfera federal. Nesse sentido, a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (“CPRB”) representa caso de destaque em nosso perverso sistema tributário. Obrigatória para alguns setores (TIC, indústria moveleira, etc), a CPRB ou “desoneração da folha de pagamento” foi criada pela Medida Provisória nº 540/2011 em substituição à contribuição incidente sobre a folha de salários.
Na exposição de motivos que a criou, representantes do Governo Federal justificaram que os segmentos incluídos na lei enfrentavam dificuldades em retomar seu nível de atividade após a crise de 2008/2009. Em 2012, pressionado por setores não contemplados na CPRB, o Governo incluiu os segmentos de transportes, hotelaria, dentre outros. Anos depois, a Lei nº. 13.161/2015 inovou a tornar opcional a CPRB, opção esta irretratável para todo ano-calendário seguinte. Eis que, a MP nº 774/2017 modificou abruptamente a CPRB, mantendo-a para alguns poucos setores (transporte, construção civil e infraestrutura, etc) e extinguindo-a para todos os demais antes incluídos.
De acordo com a mudança estes segmentos retornarão à contribuição incidente sobre a folha de salários a partir de julho de 2017. É evidente que essa radical mudança na lei gera repercussões monumentais para as empresas, antes inseridas na sistemática da desoneração. Na metade do caminho, mudaram-se as regras, gerando profunda insegurança em uma sociedade já castigada por um tsunami de normas tributárias.
Parece razoável afirmar que a hipótese de incidência da CPRB privilegia um dos mais relevantes princípios tributários: o da capacidade contributiva. Ao faturar mais, se contribui mais. Se a atividade econômica desacelera, a capacidade de contribuir diminui, resultando em menor contribuição.
O que nos leva a março de 2017, ainda no epicentro de um dos maiores terremotos econômicos e políticos já experimentados pelo país. Foi quando o Governo julgou oportuno migrar para a sistemática de incidência sobre a folha e não mais faturamento. O estudo da relação tributária entre contribuinte e Estado é a incessante investigação acerca dos limites ao poder de tributar. No influente “A Riqueza das Nações”, o filósofo e economista britânico Adam Smith pondera sobre o papel dos governos na economia, dedicando longo arrazoado à análise dos sistemas tributários. Ao examiná-los, Smith propôs um sistema tributário ideal que atenda a quatro princípios elementares: certeza, comodidade, igualdade e economia.
Princípios são normas jurídicas posicionadas no ápice de um sistema e que são fontes geradoras de direitos e deveres. No Direito Tributário, os princípios são especialmente relevantes ao criarem molduras para o surgimento de outras normas. Mais do que isso, exprimem valores éticos que devem vincular a interpretação de um texto legal.
Na teoria, o princípio da segurança jurídica é norma central dentro de um sistema jurídico. Afinal, dele decorrem uma série de outros princípios tais como a legalidade, irretroatividade, direito adquirido, além de outros, que interessam ao tema em debate, como o princípio da confiança, não surpresa, dentre outros. O princípio da confiança propõe que, se o contribuinte atua de acordo com as regras estabelecidas pela legislação, é razoável supor que o Estado faça o mesmo.
A confiança busca preservar as situações jurídicas já solidificadas pelo tempo, relacionando-se com a previsibilidade dos indivíduos frente aos efeitos jurídicos de atos do poder público. Em recente julgamento , o Superior Tribunal de Justiça adotou o princípio da confiança como um dos fundamentos de sua decisão. No julgado favorável aos contribuintes, o STJ considerou que a chamada “Lei do Bem” prevista para vigorar até dezembro de 2018, criou justificadas expectativas aos contribuintes, de modo que, amparados pela confiança gerada em torno da vigência desta lei, realizaram investimentos.
Desse modo, o Tribunal concluiu que não era possível a revogação do benefício antes da data originalmente prevista. Garantir segurança jurídica à sociedade é papel fundamental do Estado. Em síntese, é o que permite adjetivá-lo como Estado de Direito. Assim, o poder de tributar deve ser exercido dentro dos limites desenhados pelos princípios, acolhidos pela Constituição. Por fim, ainda que pareça ingênuo esperar que o Estado dê exemplo na preservação da segurança jurídica (afinal, diariamente assistimos exemplos de desrespeito), não se pode esmorecer. Logo, parece necessário frisar que o poder estatal de tributar não é ilimitado. Nesse sentido, felizmente já surgem decisões judiciais que vem entendendo que a revogação da CPRB, antes de 31 de dezembro de 2017, ofende a legislação e princípios do nosso sistema.
Na primeira liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o Desembargador Federal Amaury Chaves de Athayde, entendeu que: “ora, diante de tais contornos bem definidos, os contribuintes elegeram a sua opção e, com base nela, planejaram suas atividades econômicas, seus custos operacionais e basearam seus investimentos. A alteração abrupta da forma de recolhimento da contribuição previdenciária, ainda que não viole a anterioridade mitigada, representa, a meu ver, flagrante inobservância à segurança jurídica, à proteção da confiança legítima e à boa-fé objetiva do contribuinte, princípios esses que são balizas, como dito, à integridade do sistema tributário”.
Infelizmente, neste caso, precisamos de Juízes que possam conter o apetite do Estado, garantindo que a expressão “irretratável” signifique efetivamente “irretratável”.
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Rafael Bello Zimath, advogado sócio da Silva, Santana & Teston Advogados.
Bom dia Dr. Osni
Poderia me informar o número do processo do TRF da 4ª Região que concedeu liminar?
Desde já agradeço.
Att.